Tinha esquecido o que há de mágico em mim

O esquecimento me pegou. Esqueci que mesmo não sendo sol, sou estrela personificada, sou divindade que se manifesta nas forças da natureza, nos elementos que me compõem. Sou lenda e sou viva. Estou lenda e estou viva!

Tinha me esquecido da importância da celebração, da pausa, do encontro, da comemoração. É que todos os dias foram iguais esse ano e minhas memórias se embolaram com o cotidiano, com o cansaço que sobreviver causa e eu acabei que me esquecendo dessa coisa tão importante: existe muito de mágico, divino e poderoso em mim, mas eu não consigo enxergar se estiver sendo humana e animal demais.

A deusa indiana Uma, consorte de Shiva

Hoje enfim parei e me pintei, e lembrei que posso ter expressões mais suaves, não mais bonitas ou feias, só outras, mais divinas que as cotidianas, mais sagradas que profanas. Lembrei que o vermelho que colore meu rosto não precisa estar ao redor das retinas mas pode estar na boca e no rubor de uma nova sensação. Depois desse despertar pra mim, despertei pro mundo.

E aí suspirei aquele sopro nostálgico de quem se lembra de algo bom: eu já fui uma deusa! Ainda sou, mas me perdi no meu disfarce necessário pra seguir vivendo. Nem toda deusa é imortal. E acreditei, por alguns longos anos-luz que era humana (nem toda humana é mortal).

A maldição da memória é que ela é verdadeira demais pra ser negada e improvável demais pra ser um fato. E o que a gente sente é o único fato que existe, porque só a gente é que existe no mundo todinho.

E aí, eu, sempre atormentada pela falta de amor em que eu vivo tive um vislumbre de como é ser amada. Amai a Deusa como a ti mesma, eu me ouvi dizendo. E fiquei ambiciosa. O que é que uma deusa precisa fazer pra ser amada? O que eu tenho que dar aos meus súditos pra eles erguerem um templo pra mim onde eu possa me abrigar na proteção que vou dar a eles?

Talvez eu é que tenha que dar paredes e um teto ao meu templo, cobrindo meu chão. Talvez os deuses precisem aprender a exigir, fazer tempestades em taças de vinho e pedir por beijos, carinho e atenção. Talvez meu trovão só seja ouvido se antes eu mandar pelo céu um clarão.

Mas eu não quero jogar uma poção do amor em ninguém, quero que a magia em mim seja fantástica mas não enfeitice, que seja encantamento mas não amarração. Como pura fonte cristalina, quero que venham até mim para beber da minha água e quero ser o oásis e o alívio, um caminho seguro ao longo do qual viajantes caminhem, o traço do mapa que guia quem está perdido.

Eu não posso esquecer o que há de mágico em mim, o que há de divino no meu ser, o que é poderoso no simples fato de eu existir. Mas é preciso dominar meus poderes também. Não se esqueça de praticar seus encantos. É o recado que vou deixar pra que minha eu do futuro saiba que existe muito de mágico, divino e poderoso em todos os meus elementos, mas que eu preciso saber usar os encantos.

Afinal, não há bruxa que não queime, não há fogo que não arda, e não há uma deusa que não queira fazer pra si um homem à sua imagem e semelhança. 

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