Leituras 2020 - Parte 3

Pra quem ainda não leu a primeira parte das minhas leituras, ela está aqui. A segunda parte também já está disponível aqui. E hoje temos a terceira e última parte dos comentários sobre os livros lidos por mim neste ano de desilusões chamado 2020.

Essa última parte está bem política e teórica, foram de fato os livros mais marcantes pra mim, então senta que lá vem textão.


18. 1984 - George Orwell



Esse livro é bem conhecido, um clássico. Conta sobre uma sociedade de extremo controle e vigilância após uma terceira guerra mundial fictícia e a narrativa começa quando um personagem começa a questionar e desafiar, sozinho, tudo aquilo. Por um lado, é um pouco assustador ver que muitos mecanismos, dispositivos e comportamentos dos vigiados e vigiantes já estão aqui entre nós, na nossa sociedade real. Como todos esses aspectos são tratados como aterrorizantes e extremamente opressores ao longo da narração, me senti bem agoniada por saber que a qualquer momento algum governo pode fazer algo parecido, embora não numa escala global como a do livro. Racionalmente é meio impossível, mas o sentimento está lá: a gente sente um pouco de medo de que a gente chegue naquele extremo. Ainda assim, eu acho que a história não conta com um aspecto básico que muito me incomoda: o ser humano sobrevive com união e a esperança é intrínseca a todos nós. Esta última estava lá representada pela vida mais próxima da normalidade que a classe mais explorada conseguia manter dentro daquele regime, mas ninguém a usou de forma consciente de maneira unida. A história também não dá valor à resistência dos proletas e isso é totalmente a cara do protagonista: um homem branco (?) da classe média daquela sociedade. Eu tenho algumas questões em relação a visão que as mulheres, em especial a Julia, recebem, mas é um livro do século passado escrito por um homem, então era de se esperar. A história termina com desesperança mas eu, sinceramente, não me deixei contaminar. Eu acredito que o ser humano é maior do que aquilo que a história oferece.


19. Mulheres, Raça e Classe - Angela Davis



Essencial, né, gente? Muito do que eu li ali foi uma organização de coisas que eu já tinha ouvido outros autores falando, então acho que meus conhecimentos foram consolidados ao ler a original. Angela traça um histórico do entrelaçamento do racismo, machismo e as opressões de classe e nos mostra como NÃO EXISTE SAÍDA dentro desse sistema. Ou se muda tudo ou a gente está só descobrindo um buraco pra tampar um outro. Esclarecedor, inspirador e me ajudou a organizar melhor meus pensamentos sobre as minhas lutas, militâncias e ativismos na vida, que já estavam encaminhados mas agora têm mais embasamento.


20. Devoção - Patti Smith



Metade do livro é um diário de viagem e escrita, e depois a gente vê alguns fatos, pessoas e coisas voltando na segunda parte transformados em elementos de uma história ficcional curta com uma linguagem muito poética embora simples. Fiquei curiosa e queria ter lido em inglês, porque me encantei mesmo com a sutileza linguagem, mas pode ser que isso seja mais mérito da tradução que da escrita. Acompanhar o processo de inspiração da escrita foi muito interessante. Vi tudo isso com olhos de autora tentando assimilar outras maneiras de escrever e aí na segunda parte do livro, a história em si, tudo fez sentido e os elementos anotados no diário da Patti ganharam vida ficcional de um jeito diferente. Inspirador. Foi o primeiro livro que eu li dela e adorei.

Li por recomendação da Fernanda Rodrigues, minha mentora na escrita. Esse trecho me pegou e acendeu algumas luzes pra como eu posso ver a leitura e talvez possa pegar vocês também.

"Precisamos escrever, mas não sem um esforço consistente e não sem certa dose de sacrifício: para dar voz ao futuro, revisitar a infância, e para dar rédea curta às loucuras e horrores da imaginação antes de oferecê-la a uma vibrante raça de leitores"


21. A política Sexual da Carne - Carol J. Adams



Mais um livro pra mostrar como classe, raça, e gênero se interpõem na sociedade para oprimir e explorar pessoas em favor de algumas poucas. A diferença é que essa bíblia do veganismo expõe como o especismo reforça toda essa estrutura de opressão contra mulheres, lgbt+, pessoas racializadas e classes e países subalternos. O veganismo é urgente politica, social e eticamente. LEIAM GENTE! Em 2020 não faz nenhum sentido não ser vegano se você quer um mundo diferente pro seu próprio futuro e pras próximas gerações. Pra quem quer se preparar pra leitura, recomendo o podcast Outras Mamas, que tem os episódios iniciais voltadas a comentar este livro.


22. Frankenstein ou o Prometeu moderno - Mary Shelley



A história clássica é sobre como Victor Frankenstein cria um ser formado de restos humanos e animais mas o abandona ao questionar os próprios princípios por ter feito aquilo. A criatura abandonada começa a causar problemas que atormentam a consciência de Victor e a história acompanha os sofrimentos do monstro não tão monstruoso assim e seu criador. Foi muito interessante ter lido esse livro simultaneamente ao anterior porque ao traçar o histórico do movimento vegano, a Carol J. Abrams menciona a importância do ativismo da família da Mary Shelley e como o movimento influencia a própria história e é, em si, algo que espalha de certo modo a palavra do vegetarianismo, pregado por Carol como uma forma de divulgar a causa e que eu adoto também nas minhas escritas. É muito revigorante saber que a Mary deixou esse legado tanto tempo atrás. Nunca estivemos sozinhos. Pra quem não sabe, o monstro era vegetariano e bondoso e a história conta como uma criatura doce e gentil foi se tornando monstruosa por ser excluída do afeto e da socialização. E ai, a Mary era uma mulher com uma história muito marcante e depois de ver o filme sobre a vida dela a gente vê como alguns aspectos da história dela se mostram na literatura que ela produziu também. Tem um episódio do Outras Mamas sobre o livro também!


23. Como um romance - Daniel Pennac



Ai como eu queria ter lido esse livro enquanto dava aula pra leitores em formação! Daniel Pennac escreve uma aula sobre como abordar a leitura, formar leitores e sobre como ler de uma forma mais leve. E a leitura é super gostosa e rápida também!


24. Ideias para adiar o fim do mundo - Ailton Krenak



Mais um do Krenak que é essencial. Outra perspectiva sobre o mundo, sobre a vida e ótimas e simples soluções pra adiar o fim do mundo. Simples sim, mas não do interesse de quem está no poder. Não vai ser fácil, requer união e não tem saída dentro do capitalismo. E isso, ao invés de desanimar, é inspirador.


25. Sociedade do Cansaço - Byung-Chul Han


A leitura foi um pouco difícil porque sinto que haviam muitas referências que eu não conhecia. A linguagem também foi mais intrincada e acho que isso é porque o livro foi escrito em alemão e na tradução muita coisa pode ter se complicado ou se perdido. Mas no fim a leitura nos leva a começas a entender como a nossa sociedade nos faz exigir muito de nós mesmos e nos deixa esgotados. A culpa é de quem? Do capitalismo, claro. Mas por conta de estarmos nesse sistema, vivemos para o trabalho e não vivemos A VIDA DE VERDADE. Não sei se o livro apresenta uma solução no fim, mas pelo menos nos indica o que devemos buscar da vida pra ela ser mais satisfatória.


Bem, se esta lista de livros não te convenceu a destruir o capitalismo, leia novamente a lista, depois leia os livros e vamos de esperança e armas ideológicas para mudar o mundo!

Como eu disse antes, talvez eu termine de ler os três livros que estou lendo simultaneamente antes do dia 31, talvez não. Mas decidi não me apressar. 2020 foi um ano de muitas leituras literárias e teóricas, muito aprendizado e diversão (porque a leitura tem que ser divertida, como relembrei com Pennac) e eu já estou muito satisfeita.


UPDATE:

Consegui terminar mais dois! Então vão eles aqui:


26. A intermitência das coisas - Fernanda Rodrigues



Poesia que conversa comigo de tantas formas! Muito sensível e inspirador, cheio de referências à vida da mulher dos tempos atuais!


27. Para viver um grande amor - Vinícius de Moraes


Vinicius era um homem de seu tempo, com muitos muitos defeitos que vocês já podem imaginar, mas uma sensibilidade poética e um amor imenso pelo ser humano e pela poesia. E intenso, enquanto durou, posto que é chama!



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