Leituras 2020 - Parte 1

Eu sempre fui uma leitora ávida. Não super rápida. Acho que, no máximo, eu li algum livro de Harry Potter em um fim de semana quando eu tinha uns 13 anos. Mas eu lia regularmente e sempre tive prazer em ler qualquer coisa. Poucas vezes abandonei um livro, mesmo que ele fosse chato ou uma leitura difícil. Eu sempre gostei de ler, escrever e estudar línguas tanto que fui parar no curso de letras. Não vou nem ousar dizer que não li enquanto estava na faculdade. Eu li muito. Muita teoria mas também muita literatura, mas não exatamente o que eu escolheria ler sempre. Muitas vezes coincidia, porque eu leio de tudo e gosto bastante de clássicos. Eu gostei de quase tudo que li na faculdade, mesmo que tenha sido coisa arcaica ou que tenha demandado um pouco mais de mim pra que eu terminasse de ler. Mas durante aqueles quatro anos (e meio, pois no meio do caminho tinha uma greve), quase tudo que eu li foi escolhido pela universidade. A leitura de fruição ficou quase totalmente de lado, principalmente quando comecei a estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Aí, quando me formei, fiquei ainda um ano entendendo novamente como ler e o que ler por conta própria. Eu tinha alguns livros não lidos na minha estante e coisas que queria ler mas eu ainda trabalhava numa escola de inglês com oito turmas, fazia minhas atividades físicas, que nunca deixei de lado e ainda curto um bom rolezinho nos fins de semana. Então cheguei a um número que me permitisse ler com tranquilidade dentro dessa vida que eu queria manter.

 Eu me comprometo a ler no mínimo 12 livros por ano. Embora eu geralmente leia um ou dois livros a mais a cada ciclo, em 2020 eu, que agora sou professora de Yoga e não mais de inglês, passei 9 meses praticamente só dentro de casa pois... pandemia! Embora eu trabalhasse num espaço próprio literalmente ao lado da minha casa, eu ainda fazia minhas atividades físicas, aulas de dança e artes antes de março. Agora, já não preciso me deslocar pois estou dando aulas online e acabei não conseguindo manter toda a minha rotina online, embora eu tenha preservado muitas coisas. Sobrou tempo. Por isso, estou escrevendo mais, mas ainda tenho um interminável tempo em casa e pouca coisa pra fazer além de ver filmes e séries. E aí eu li, li muito. Bati meu record pessoal desde que estabeleci essa meta e li, até agora 25 livros. Estou com mais dois em andamento e não sei se vou terminar em Dezembro, vamos aguardar! Inclusive, eu só conseguia ler uma obra de cada vez e agora me acostumei a ler mais de um ao mesmo tempo desde que sejam tipos diferentes de leitura. No meu instagram pessoal, sempre compartilhei os livros que lia porque acredito que isso também me motivava no propósito mas é ao mesmo tempo uma forma de promover a leitura, não só como hábito possível mas também dos livros que eu mencionava. Agora que tenho este blog e um instagram para falar de escritas (Inclusive, me sigam lá!), tenho a intenção de deslocar pra lá esse trabalho mensal de postar e comentar o que leio, mas também parte disso vem pra cá. No momento, o plano é manter essa lista de leituras final aqui e resenhar alguns livros que me toquem mais, porque como vocês vão perceber, eu leio coisas bem variadas, às vezes mais teóricas e que não tenho vontade de resenhar (as vezes eu só leio algo ruim mesmo e que não vale nem a resenha, também kkkkkrying).

Mas hoje, gostaria de mostrar aqui minhas leituras e fazer um breve comentário sobre cada um. Dividi em 3 partes essa listinha.

LEITURAS 2020 - PARTE 1


1. Bhagavad-Gita como ele éBhaktivedanta Swami Prabhupada

Comecei esse livrão em 2019 e terminei no começo de janeiro. O Bhagavad-Gita é apenas um trecho de um poema épico ainda maior, o Mahabarata, que recria mitologicamente alguns momentos da história indiana. É também um texto básico para praticantes de Yoga, já que nele o deus Shiva fala com o general Arjuna, hesitante sobre a batalha que precisa enfrentar, sobre várias coisas a respeito da vida, estrutura da sociedade indiana, modos de viver e... Yoga. Esta edição traz, além do poema original em si e da tradução, comentários do Bhaktivedanta.

Tem muita coisa válida e ensinamentos que realmente levam a uma vida melhor, mas, claro que meu olhar é de um viés feminista, ocidental e cético: Shiva aqui se mostra bem egocêntrico como quase todo Deus, mas ele não me pareceu muito justo. Hoje, quase doze meses, muitas leituras e estudos depois, entendo um pouco melhor sobre como Deuses em outras culturas são diferentes do que eu, imersa numa sociedade judaico-cristão entendo por divindade, então, é um ponto de vista diferente, mas não necessariamente mau. A visão social que o livro espera para a humanidade me parece muito desigual, mas não sei como a religião mudou, quase 2000 anos depois.

Mesmo pra quem não tem essa intenção de conhecimento espiritual, o valor poético prevalece. A linguagem é tão rica e bonita e o modo de contar histórias é bem particular.


2. O livro de ouro da mitologia - Thomas Bulfinch

Mais deuses bem variados, mas majoritariamente europeus. Eu gosto dos arquétipos da mitologia, mas eu quero ver deuses do mundo todo, de várias culturas. Existem muito mais culturas no mundo do que essa que já é tão conhecida por nós.


3. A invenção das asas - Sue Monk Kidd

Leitura essencial!


A história acompanha duas personagens: Sarah Grimké e Encrenca. Sarah é filha da aristocracia tradicional branca dos Sul dos Estados Unidos e recebe Encrenca como sua escrava pessoal como um presente dos pais. Acontece que Sarah não via Encrenca como um ser humano que devia ser escravizado e começa a contestar o mundo em que vive, enquanto Encrenca e sua mãe vivem sua própria história de aprendizado e sobrevivência. A história, narrada em primeira pessoa em partes separadas nas quais as duas protagonistas contam trechos de sua vida, acompanha a relação das duas, com erros, acertos, altos e baixos e em busca de liberdade. A história é muito sensível, a trama é muito bem construída e existem cenas muito fortes, e outras muito emocionantes e singelas. É um livro realmente lindo sobre mulheres fortes, resistência, crescimento, compreensão de mundo e união contra opressões. 

Só que eu li tudo isso achando que era ficção (e parte realmente é uma ficção histórica) mas cheguei no fim do livro e descobri que as irmãs Grimké realmente existiram e foram feministas e abolicionistas (e defensoras do vegetarianismo!) muito importantes na história dos EUA. Elas são fascinantes e me deparei com elas em outras leituras teóricas que fiz esse ano, descobrindo cada vez mais coisas e feitos fantásticos que Sarah e Angelina fizeram. Embora Encrenca seja ficcional, sua história também é inspiradora e infelizmente segue sendo realista até os tempos de hoje, embora as escravidões tenham mudado um pouco sua maneira de existir.


4. Razão e sensibilidade - Jane Austen

O que eu mais gosto dos livros da Jane Austen é que a resolução dos conflitos é sutil, sem guerras ou batalhas, inimizades ou enfrentamento direto e se dá muito tempo ao tempo. É mais ou menos a sensação que eu tive ao ver Adoráveis mulheres, e ainda vou escrever sobre como uma história ser escrita por mulheres pode fazer diferença para o desenvolvimento da trama e apresentação dos conflitos, mas não vem ao caso. Nesse livro, os fatos se desenrolam tão naturalmente que é até difícil descrever a trama, mas é gostoso de ler. A capa da edição que eu li era linda e clássica e eu senti que foi um descanso me preocupar com casamentos e heranças da classe média inglesa de séculos atrás ao invés de pensar no que estava começando a acontecer (estávamos entrando em quarentena enquanto eu lia esse livro).


5. O amanhã não está a venda - Ailton Krenak

Não deixe de ler!

Ailton Krenak poderia ser menos essencial em tempos de pandemia? Acho que não. Eu gostei muito da visão dele fora do pensamento cristão, branco, colonizador ou colonizado (apesar de estarmos num país colonizado, ele definitivamente não teve seu pensar colonizado), foi um abrir de olhos que me despertou pra outros olhares que eu precisava lançar sobre o mundo. Nós estamos perdendo muito e só chegamos onde estamos como planeta porque não colocamos em prática as filosofias como as que o Krenak expõe nessas páginas. Encarar o mundo com esses novos olhos tem me ajudado a ver o mundo de uma forma tão libertadora e esperançosa!


6. Uma solução para a era das desavenças - Bhaktivedanta Swami Prabhupada

Li esse livro pra estudar sobre Yoga e questiono muito se religião realmente resolve tudo. Na minha opinião, o modo como a maioria das religiões se organiza mais atrapalha que ajuda, mas esse livro diz justamente o contrário. Eu ainda não tenho muito a elaborar sobre esse assunto.


7. Eu, Malika Oufkir, prisioneira do rei - Malika Oufkir e Michele Fitoussi

Vale a leitura!

Mais um livro baseado em uma história real. Malika Oufkir era filha de um militar de alto escalão do Marrocos e foi chamada para viver como uma irmã para a filha do rei. A primeira parte do livro conta sobre a vida dela longe de sua família biológica e em meio ao palácio, enquanto recebia a educação de uma princesa. Em segundo plano, acompanhamos mudanças políticas que levam ao assassinato do pai de Malika, pouco tempo depois que ela consegue voltar a viver com sua família. Vistos agora como inimigos políticos da realeza, a família de Malika passa anos vivendo em prisões, primeiro domiciliar, depois numa prisão de verdade. Isolados do mundo, acompanhamos uma narrativa muito precisa sobre a vida entre muros e guardas que teve um final feliz. Apesar da fuga espetacular ser realmente impressionante, em especial dadas as condições de saúde física e mental altamente debilitadas pelos anos tratados em péssimas condições, o que mais me tocou foi a maneira como eles sobreviveram em meio às adversidades. Sendo uma história real, a força desse depoimento é ainda maior.

Como li este livro no começo da pandemia, estávamos começando a lidar com o confinamento e estava surgindo pela primeira vez em mim, uma otimista patológica, os primeiros questionamentos sobre o fim disso tudo e como o mundo irá mudar por causa do que estamos passando. E ver como aquela família se adaptou e buscou uma vida próxima da normalidade mesmo estando isolada, mal alimentada e mal tratada me ajudou a criar esperanças para a persistência da humanidade e da vida. Nesse caso, não era uma visão esperançosa, mas sim realista: tudo se adapta, a nossa inteligência é capaz de coisas incríveis e a vontade de sobreviver do ser humano em cooperação com o outro faz milagres.

O que é mais fascinante é como a Michele e a Malika conseguem transmitir aos leitores como em meio a tanta coisa ruim, a ficção salvou a família do tédio. Malika, a irmã mais velha que tinha um conhecimento amplo e sonhava com fazer cinema, contava para os irmãos, a mãe e ainda duas empregadas da família que também foram aprisionadas uma história. Narrada numa rádio improvisada, a trama era como uma novela quase infinita, que fazia com que as crianças, adolescentes e adultos submetidos a uma realidade tão cruel e pessimista pudessem sonhar, imaginar um mundo lá fora e ter com o que se preocupar além da condição deles. Esse alívio foi algo que também me segurou em 2020, um ano em que eu, apesar das condições completamente diferentes, me vi também confinada em um espaço menor. Se não fosse o que eu li e assisti, eu estaria pensando apenas na situação do mundo e já estaria muito mal. A ficção salva e é por isso que ela é estratégia de sobrevivência da humanidade, desde as épocas mais primitivas, provavelmente.


8. O silêncio dos amantes - Lya Luft

Eu tinha lido um livro de crônicas dela ano passado e tinha amado. Mas fiquei encucada com um ponto meio controverso no jeito que uma personagem foi mostrada. Aí eu li esse livro, de contos e fui me incomodando mais: Algumas visões de mundo que eu não consigo concordar de jeito nenhum, muito elitismo. Aí no meio da leitura surgiu uma notícia sobre o ponto de vista político da Lya Luft e tudo fez sentido. Mas aí eu já não consigo separar  a literatura dela e ver o que foi escrito com neutralidade. E é isto que eu tenho a dizer.


A segunda parte chega na semana que vem!








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