Primeira pessoa: não estou pronta pro mundo virtual

Quem diria que uma pandemia aceleraria a virtualização das relações, prevista a tanto tempo pelas ficções científicas mais sagazes?

silhuetas em rosa e lilás de duas pessoas frente a frente com um coração entre elas, irradiando um tipo de luz que conecta as duas pessoas a este coração


Um tema que sempre vai aparecer por aqui e já figurou nas publicações deste blog bastante retorna: relacionamentos românticos. Não é segredo que este tipo de relação e a falta dela me atormentam de maneiras diferentes, como deve atormentar boa parte dos integrantes dessa geração perdida entre a rigidez e a fluidez das relações que observamos na sociedade. Eu não sou uma mulher com facilidade pra lidar com o amor, como quem já leu outras reflexões minhas já deve ter notado. Mas mesmo assim, eu tenho uma certa experiência e facilidade em lidar com a aproximação. Me relacionar todo dia é um desafio, mas abordar, criar o laço, não só é tranquilo e simples quanto também e prazeroso pra mim.

Gosto do olho no olho. De perceber que o olhar ficou em mim. De sentir meu corpo gravitando em direção ao meu novo sol e todas as sensações gostosas de orbitar aquele novo astro. Fico feliz em ter sorrisos correspondidos, em ter sucesso ao inventar qualquer desculpa pra puxar assunto. Deixo todos os hormônios me tomarem porque é gostoso. Sou boa em flertar, porque meu corpo é meu oráculo e eu sigo seus conselhos divinatórios, que não costumam falhar.

Minhas experiências de flerte via internet me mostraram que os sinais que meu corpo transmite e capta com tanta facilidade pessoalmente se perdem virtualmente. Minha mente não teve sucesso em interpretar sinais que não são percebidos pelo sentido. Ter as emoções passando pela mente racional primeiro, já que eu tenho que ler e decodificar os sinais mentalmente antes de senti-los não funciona pra mim. A magia acontece de um jeito estranho. É como se o feitiço do amor fosse feito com os ingredientes errados e aí eu me apaixonasse mas não do jeito que tem que ser. Eu me encanto pelos motivos errados, fantasio coisas que sequer existiram porque meu cérebro na verdade leu errado os sinais. E eu não consigo não fantasiar, porque é assim que eu sou e por ora não teve solução - e nem acho que vai ter. Idealizo coisas sobre a pessoa que ficam especialmente frustrantes quando não são correspondidas. Fatalmente, minhas expectativas são raramente correspondidas porque, não tendo visto, ouvido, sentido a pessoa, elas se baseiam apenas na minha imaginação, que é bem fértil e romanticamente imprecisa. Tento não criar expectativas, mas, como eu disse antes, é meio difícil me conter então tento não criar expectativas altas, que é o que dá pra eu fazer.

Acho que ninguém, na verdade, sabe lidar bem com esse tipo de relacionamento. Será que sabem ou algumas pessoas estão só um pouco mais acostumadas a isso? Sinceramente não sei. Eu não sou uma pessoa urbana. Sou do interior, bem analógica e os aplicativos de relacionamento, além de me fazerem interpretar informações sendo que falta um pedaço delas, me frustra também de um outro jeito doloroso: eu não atraio muita gente por lá. Eu também me irrito quando os meus poucos matchs me ignoram. Eu tenho outras questões ainda não resolvidas com a comparação que faço entre eu mesma e os sucessos dos outros nos aplicativos e a não-popularidade ainda é especialmente dolorosa pra mim (Mas tamos aí na terapia!) Enfim, o virtual não conversa comigo. Meu apelo é no ao vivo, na conversa, no corpo a corpo.

Em 2020 eu não me relacionei com ninguém. Nem um beijo eu dei. Sim, nem no Carnaval porque eu detesto beijar no carnaval. Eu chamei um contatinho de quem eu gostava muito pra sair comigo, assim que ele voltou das férias, mas aí... pandemia. Não rolou, ele nunca mais voltou pra cá e no contato que continuamos mantendo esporadicamente, porque como eu disse, eu gostava muito dele, ele me disse que está namorando. Vida que segue. Bem, eu estava com o intuito de ficar completamente isolada enquanto o coronavírus estivesse circulando por aí, mas pelo que eu vi, ele ainda vai ficar entre nós por um bom tempo. E eu não pretendo passar mais um ano completamente isolada porque isto está me afetando física e mentalmente e quando eu não me relaciono com pessoas de fora do meu ciclo familiar, fico bem difícil aqui dentro da família. Prometi a mim mesma que ia exercitar os músculos do meu coração um pouco mais esse ano, porque tinha a ideia de que, sei lá, lá pelo meio do ano estaríamos vacinados e poderíamos flexibilizar mais nossos isolamentos. Mas pelo jeito, não é isso que vai acontecer. Na verdade, eu nem sei porque eu tive esse delírio... meu lado sonhador falou bem mais alto que a razão mas agora eu me dei conta de que ainda vai demorar um tempo relativamente longo pra tudo chegar perto da normalidade, pelo menos pra nós, pessoas responsáveis pela própria vida e pela vida alheia e que entendemos que não dá pra se aglomerar e viver a vida como se nada estivesse acontecendo.

Bem, o jeito são os aplicativos. E eu não estou pronta pra isso de novo. Não mesmo. Eu não quero ser avaliada por algumas poucas fotos e palavras que dizem muito menos de mim do que estar comigo, cara a cara. Não estou pronta para me relacionar virtualmente e terei que ficar com os paliativos: cuidar das minhas amizades virtuais, porque com elas sempre me dei bem. Eu poderia aprender a lidar com esse jeito de me relacionar amorosamente? Claro. Minha psicóloga sempre me mostra perfis que ensinam a ter sucesso nesse tipo de relacionamento e eu já tentei. Mas a estranheza ainda é grande e agora, depois de algumas decepções vividas, não me parece fazer o menor sentido NADA do que acontece nesses aplicativos. E fora isso, de que adianta fazer algo que não é real? Eu não busco mensagens numa tela, eu busco o carinho, a proximidade, a intimidade, o tom de voz e o movimento do corpo confirmando ou pelo menos me indicando se aquilo é real ou se tem algo estranho. O ser humano tem todos os sentidos programados pra se relacionar. A gente não usa a cabeça pra amar. A gente só sente o amor. E as telas não permitem sentir sem antes passar pelo pensar.

Tem solução pro meu caso? Provavelmente não, só vou esperar tudo passar mesmo, sentindo o tempo me tirar a juventude e a disposição pra esse tipo de relacionamento. Tudo isso que me é roubado também pela nossa ineficácia em lidar com a pandemia. Tem gente morrendo, o que é verdadeiramente muito mais grave que o meu coração vazio, duro e frio, por isso eu não vou me arriscar a ir onde tem gente pra simplesmente flertar. Mas por dentro, eu também estou morrendo, de um outro jeito, menos grave e posso, no fim ressuscitar. Mas é doloroso morrer, e eu não estou pronta pro que vem: mais um bom e longo tempo nesse estado. Até que alguém, se é que alguém vai me encontrar, me dar um choque e desfibrilar meu peito.

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