O coração é um músculo


O coração é um músculo. Na verdade, não só um músculo, mas uma elaborada camada de tecidos que se movimentam conjuntamente a cada estímulo recebido.



 
A medicina diz que ele é um músculo involuntário e a Marisa Monte diz que ele pulsa sem que a gente tenha muito controle dele. A respiração é outro processo involuntário, sobre o qual temos controle. Eu consigo deixá-la mais profunda ou superficial, mais rápida ou mais curta e de certo modo isso também interfere na minha pulsação. Então... O coração talvez não seja assim tão inacessível e tão incontrolável. Independente da ciência, enxergo o coração como um órgão independente de mim, mas que pode colaborar.

Minha teoria é que embora a gente não escolha muito claramente por quem o coração bate, é possível ter controle de alguns movimentos. Pode-se escolher quais lugares se frequenta e quais pessoas nos cercam e aí se torna possível limitar ou ampliar quem vai nos dar os estímulos. É possível, dentro daquilo que nossa mentalidade e vivência permitem, escolher experiências a se viver para testar até onde o coração se impressiona e ainda penso que depois que o coração bate, a gente pode decidir que tipo de disparo da pulsação a gente vai repetir, qual batida do coração vamos deixar acontecer por mais tempo e qual sensação vou ignorar.

Aquilo que captamos pelos sentidos é percebido pelo coração e pelo sistema límbico, que comanda nossa sobrevivência, antes de chegar à parte racional do cérebro. Depois isso retorna ao nosso corpo, que é todo uma extensão da mente, e nos faz reagir. O coração dispara antes que a gente entenda o porquê. A gente sua frio antes de compreender que foi por que alguém que a gente gosta acabou de chegar. A gente esquece as palavras a serem ditas e só depois percebe que foi porque a gente está apaixonado demais pra ser racional. Os músculos cardíacos comandam várias dessas reações. Então se alguém não sai da sua cabeça, com certeza essa pessoa passou antes pelo seu coração. Estamos falando sobre amor romântico, mas o que será dito aqui serve pra qualquer tipo de amor.

Conseguimos pensar SOBRE o amor, sobre a forma como amamos, conseguimos racionalizar quais ações se pode tomar pra por esse verbo em ação, porque o amor é um verbo. Que eu saiba, duas pessoas disseram isso: a primeira foi Mário de Andrade, a segunda foi o John Mayer. Para o primeiro, amar é verbo intransitivo. E pode mesmo ser. Às vezes o amor é também verbo transitivo direto, outras vezes indireto, mas ele definitivamente é um verbo de ação. E nisso o John Mayer também concorda. Amar é ação, reação e contração.

Músculos se contraem para que movimentos aconteçam. Os músculos do coração, involuntários, ainda assim podem ser treinados e ensinados para que seus movimentos se aprimorem. O amor, embora seja irracional, pode passar por reflexão racional. Como todo músculo, para alcançar condicionamento, o coração precisa passar pelos treinos. Não um treino domesticador ou limitador. Digamos que para o coração o exercício recomendado é algo entre um treino, uma prática e uma experiência.

Quando fazemos algum esporte, não é possível para nenhum treinador físico calcular precisamente quantos quilômetros vamos conseguir correr, quantos centímetros a mais vamos nos alongar ou ainda quanto peso vamos conseguir levantar. É obvio que ele tem estudo e conhecimento para ter uma ideia do que nosso corpo, nas condições em que chegamos à prática, pode conseguir fazer. Mas o que fazemos junto aos preparadores é experimentar nossos limites e aos poucos vamos treinando nosso corpo pra lidar com aquele esforço e superar os limites anteriores. O amor é um esforço, as relações exigem a disciplina de se estar lá todos os dias, de se levantar depois de cair e tentar fazer aquele giro outra vez. O amor também pede que se treine todos os dias as conexões com o outro, que se experimente e entenda os limites do time que escolhemos, dentro do que nos permitimos conhecer. É que o amor é um esporte coletivo, requer afinidade, entendimento do outro e isso só acontece quando a gente treina. Algumas vezes a gente treina com um time pra ser vencedor só quando entramos em uma nova equipe. Tem também o caso das pessoas que nem entram pra competir e só querem experimentar esse esporte de alta performance pela adrenalina. Outras vezes, as equipes permanecem invictas a vida toda. Às vezes a gente só prefere outra modalidade. Mas as vezes a gente só não tem a experiencia e a maturidade de entender que pra percorrer toda a a trajetória desse amor, precisamos reconhecer que cada combinação de titulares e reservas que entram no jogo pedem uma nova configuração, uma nova tática, novos treinos. Sim, nós precisamos estar individualmente bem, mas também, e principalmente precisamos estar em afinidade com as habilidades dos nossos parceiros.

Mas o nosso corpo-mente-coração precisa ser sempre treinado porque o coração é um músculo que se a gente não usar se atrofia. Às vezes, se a gente desiste de praticar, o músculo demora a se recuperar e pode ser que ele nunca volta a funcionar como antes. No entanto, com fisioterapia, mais treino, cuidados, o amor volta a ser possível.

Mas é bom lembrar: no amor, como no esporte, vencer não é o mais importante, mas sim participar para se manter ativo. O músculo vivo e funcionando, mesmo que não como o de um atleta, mas só como o de um ser humano normal, que talvez nunca conclua uma maratona mas precisa de seus tecidos musculares funcionais o suficiente para continuar se movendo.

O motivo pelo qual eu decidi escrever esse como o primeiro texto de 2021 é porque minha resolução de ano novo principal é me lembrar disso: Coração é músculo, amor é exercício. Eu pratico meus esportes, então porque não posso treinar pra me manter ativa também no amor?  Não pra vencer, mas pra completar a prova. Talvez não agora. Já corri e sei como o corpo, a mente e o coração precisam ter paciência pra que a gente consiga chegar lá. Algum dia, quem sabe, meus músculos estejam fortes o suficiente pra correr a maratona, chegar primeiro e gritar "é por você, amor"?

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