Assum Preto

Minha mente é consciente das asas que tenho, que poderiam me levar por todo o céu. Mas meu corpo sabe que está entre as grades que me cercam.



Meu corpo que também é mente e minha mente que também é corpo não estão em sintonia e essa assimetria é que deixa difícil aceitar a vida dentro dessa gaiola. Seguro meus lamentos, e tento me ater aos movimentos que talvez me tirem daqui. As paredes dessa jaula onde estou presa, no entanto, são duras demais e eu não consigo quebrar, atravessar ou transpor essas barreiras. Meus movimentos ficam contados e medidos e ainda dizem que eu tenho liberdade e conforto dentro dessa gaiola.

Estou presa em nome de algo que chamam de amar. Dizem que fui guardada aqui pra eu não voar e não correr perigo longe dos olhos deles. Quem nasceu com asas não quer a proteção de uma gaiola, quer liberdade. Até porque, o perigo que existe lá fora é que é confortado pela existência das minhas asas. Qualquer limite que se põe em um ser que sabe voar é desperdício de toda a evolução de um sistema que fez as árvores, as presas, as caças, os perigos e as asas para coexistirem em equilíbrio.

E ainda querem que eu me contente por estar aqui e cante...

Não me bastando me prender e fazer minhas asas pesarem, ainda querem me furar os olhos, pra eu achar que é sempre noite e continuar cantando.

Assum preto canta na escuridão. E se furarem os meus olhos talvez eu cante, não porque vou achar que é noite, na minha cegueira, mas de alegria, porque mesmo sabendo onde estou, não vou ver as grades que me prendem.

Até que os espinhos me encontrem, vou seguir arisca, lutando pra que não me furem os olhos, tentando escapar. Enquanto eu puder ficar sem a companhia do meu canto, me mantenho em silêncio. Meu cantar tem uma beleza que eu não quero que eles ouçam, mesmo que enquanto eu estiver aqui, seja a beleza triste de um lamento. O que eles nunca terão, enquanto não me deixarem livre, é a beleza do meu canto depois que corto o céu e pouso no galho de uma árvore pra apreciar a grandeza de todas as paisagens que me pertencem, e às quais pertenço, do lado de fora das gaiolas.

Esse canto, o verdadeiro, só ouve quem eu encontro nos caminhos pelos quais eu voar.


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