Valei-me Eros!
Depois de ler Sociedade do Cansaço e ficar completamente fascinada com a filosofia de Byung-Chul Han, parti para a leitura de Agonia do Eros, livro que basicamente se resume em "O Eros vence a depressão." O entendimento que tive com essa leitura transformou algumas percepções que tenho das nossas relações.
Capitalismo e impulso de morte é um livro que reúne ensaios e entrevistas do autor coreano naturalizado alemão nos quais se discutem vários aspectos da vida moderna. Mas, em especial, me chama a atenção a opinião de Byungchul Han em "In your face - a pornograficação das artes ou da coação de ir sem desejo às coisas". Ele afirma que, nas mais diversas áreas da arte, o mistério e o segredo estão desaparecendo e a arte tem se tornado cada vez menos silenciosa, retirando de nós o tempo para a contemplação, a compreensão e o entendimento - que são processos internos que demandam tempo. Temos o tempo todo os artistas de que gostamos nos bombardeando com suas músicas, ilustrações, fotografias ou o que quer que seja - e isso não é exatamente por escolha deles, mas uma demanda do empreendedorismo capitalista, já que hoje quem nos força ao trabalho somos nós mesmos.
Saindo um pouco da sexualidade, apesar da ideia central do livro se voltar também para esta área, o filósofo explica que Eros é tudo aquilo que vem do outro, que é mistério, que não é evidente, e o erotismo - ou seja, aceitar que haverão partes do outro, da vida e da sociedade que não iremos conhecer é que nos cura da depressão pois, a partir do não conhecimento é que conseguimos dar um sentido à vida, porque partimos para essa busca. Como nossa sociedade é uma de transparência, - algo obscenamente pornográfico e não erótico, já que temos acesso à praticamente todas as informações sobre todos - temos perdido o encanto e a sedução do erotismo, que seria a alteridade, algo que Han chama de negatividade. Se tudo é nítido e transparente, o que é que temos para buscar? Nada. Então, diante de um mundo onde tudo é visível e nada desconhecido nos encanta, vem a depressão.
Explicando assim, talvez pareça simples demais, quando na verdade o processo é bem mais complexo. Mas essa ideia de que perdemos o mistério e por isso nos deprimimos faz total e absoluto sentido pra mim, já que percebo que, por termos retirado do outro a possibilidade de que ele seja realmente outro, e não uma extensão ou cópia de nós, desaprendemos a conviver. Queremos um neo-colonialismo do outro, um controle, um conhecimento amplo e total, quando na verdade isso é absolutamente impossível. Isso se manifesta nas relações familiares, românticas, sociais. Então, a teoria de Byunchul Han torna compreensível a razão para estarmos deprimidos como sociedade. Tudo ao nosso redor é um inferno, o inferno do igual onde não há nada de novo, e desconheço cenário mais deprimente do que essa mesmice.
Em Capitalismo e Impulso de Morte, - última obra que li do autor, e que me rendeu outras reflexões - esse conceito de erotismo em contraposição à pornografia retorna. Desta vez, o texto nos mostra como a sociedade da transparência nos impulsiona a deixarmos nossas vidas completamente expostas principalmente através da internet, mas também em outra áreas. E, como herança da sociedade que pune e vigia, cobramos o mesmo dos outros. Penso muito em como é difícil aceitar alguém que não se expõe como nós nos expomos, uma vez que essa regra parece mandatória, sendo que não é. Por outro lado, quem se preserva se beneficia porque passa a tornar mais favorável uma relação que de fato seduz: mais erótico que pornográfico, o não-saber é negativo e conquista a nossa curiosidade.
Pode parecer óbvio, mas quanto menos sabemos sobre alguém, mais queremos saber sobre ela. Mas ao mesmo tempo, em uma era de zoom máximo em cada mínimo detalhe das pessoas, quem é que está imune ao pan-óptico macro e microscópico digital? À exibição de si mesmo como forma de auto-exploração? Então, creio que na realidade, tem sucesso e relevância quem consegue se ocultar ao máximo no meio da exposição também máxima. E não é isso que fazem as celebridades no mundo atual?
Capitalismo e impulso de morte é um livro que reúne ensaios e entrevistas do autor coreano naturalizado alemão nos quais se discutem vários aspectos da vida moderna. Mas, em especial, me chama a atenção a opinião de Byungchul Han em "In your face - a pornograficação das artes ou da coação de ir sem desejo às coisas". Ele afirma que, nas mais diversas áreas da arte, o mistério e o segredo estão desaparecendo e a arte tem se tornado cada vez menos silenciosa, retirando de nós o tempo para a contemplação, a compreensão e o entendimento - que são processos internos que demandam tempo. Temos o tempo todo os artistas de que gostamos nos bombardeando com suas músicas, ilustrações, fotografias ou o que quer que seja - e isso não é exatamente por escolha deles, mas uma demanda do empreendedorismo capitalista, já que hoje quem nos força ao trabalho somos nós mesmos.
O artista que consegue estar presente e transparente nas redes transforma sua arte em algo consumível e isso o faz ter sucesso dentro do capitalismo - afinal, nesse contexto social, queremos sempre consumir algo e não apreciar. Mas se há um excesso de exposição de sua vida, ele não é compreendido, sua obra não é de fato apreciada porque estamos o tempo todo consumindo as informações sem de fato pararmos para compreender o que ele faz. Nossa fúria consumista quer devorar compulsivamente tudo à sua frente, e o que vem primeiro é consumido primeiro. Se é a arte - porque a vida daquela pessoa é preservada dos holofotes e câmeras - falamos sobre a arte dela. Já no caso de uma vida superexposta, a arte daquela pessoa deixa de se tornar assunto. Nosso mundo é cheio de famosos e não necessariamente artistas famosos.
A cultura pop nos dá alguns exemplos de uma arte que ainda nos permite uma relação erótica com seus criadores: A misteriosa escritora Elena Ferrante, cujos livros são aclamados pela crítica e se transformaram em série e livros, é uma das figuras mais misteriosas do universo literário. Beyoncé, que pouco expõe de sua vida nas redes, segue sendo aguardada pelo público a cada lançamento. Banksy faz intervenções artísticas pelas cidades, tem obras leiloadas (apenas para destruí-las no momento após a compra) e nada se sabe dele. E, no entanto, sua arte é relevante e comentada e conseguimos ter nossas próprias interpretações da mensagem dele. Também acontece algo de semelhante com outros artistas que não nos bombardeiam com informação constante sobre suas vidas. Esperamos as obras deles e não por eles, porque sabemos que elas dirão mais sobre seus criadores do que as redes sociais poderiam expor.
Essa relação com o mistério me faz repensar os conselhos que recebe cada autor assim que se decide a ter uma carreira na escrita: esteja presente nas redes, fale sobre o seu trabalho, se divulgue. Seja um nome antes mesmo de ter algo publicado. Além de demandar trabalho demais que não é remunerado, como na sociedade exposta em Sociedade do Cansaço, será que estamos fazendo nossos livros e as ideias contidas nelas serem comentadas? Ou o que vira assunto somos nós, a nossa estratégia, as nossas opiniões?
Não creio que o certo seja sumir das redes e se focar em produzir apenas. Estar presente nos espaços virtuais é o que trás nossos livros para a realidade das pessoas que irão decidir comprar algo que acreditamos que merece ser lido. A própria existência material do livro muitas vezes parte do desejo de que ele exista por parte dos que lerão. Então, deve haver um equilíbrio entre o desejo de fazer algo bom que seja comentado por si só e a sobrevivência neste mundo em que temos que nos expor e sermos transparentes para sermos consumidos. Até porque, o que é consumido se destrói: quando o fogo consome a madeira, precisamos alimentar novamente a fogueira. O que é apreciado está sempre ali pra ser visto em seu tempo. E em tempos de contas a pagar com o que nós mesmos escolhemos para nos explorar, é preciso perguntar: quanto de mim preciso oferecer para consumo para que aquilo que crio seja apreciado?
É um dilema difícil, e cada pessoa chegará às próprias conclusões.
Que Eros nos ajude a voltar a sermos eróticos e sair da obscenidade pornográfica e barulhenta do mundo atual das artes!
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