Kriya-ativa: Parte 2 - Swadhisthana

Aguas vivas em meio a um oceano azul-escuro


Foi assim com as primeiras formas de vida no planeta: Partículas inanimadas se encontraram num oceano atmosférico úmido, foram se fundindo conforme se encontravam e se reformulavam, e se tornaram os primeiros seres vivos que evoluíram ao longo de milhares e milhares de anos até que chegamos às formas atuais da vida na Terra. Como herdeiros de toda essa história, ainda precisamos da água para manter a vida e, como quase todos os animais da terra, nossa reprodução também depende da água para acontecer.

O elemento relacionado ao Swadhisthana Chakra é justamente água. Localizado cerca de três dedos abaixo do umbigo, este é o chakra que rege nossas glândulas sexuais, os órgãos do baixo ventre e a nossa sexualidade, de forma mais direta. O elemento água é se faz presente neste âmbito de nossas vidas: a reprodução é diretamente dependente de fluidos, e também é a fluidez mental e emocional que faz a nossa conexão com o outro em relações com intuito reprodutivo ou não. Estes são temas diretamente relacionados ao segundo centro energético do nosso corpo.

Quando nascemos, entendemos o mundo a partir de nós mesmos. Primeiro, o bebê entende que o mundo todo é ele e ele é tudo que o cerca. Depois, começamos a distinguir quem somos dos outros. As pessoas próximas, os objetos, tudo vai tomando forma e se diferenciando de nós a partir do desenvolvimento de nossa consciência. Ao longo dos sete primeiros anos da vida, estamos consolidando quem somos  - como nos ensina o primeiro dos chakras -  entendendo o quê e quem somos. Depois desse primeiro processo de separação e delimitação de quem somos, damos início a uma individuação mais concreta, processo que acompanha o segundo chakra. Dos sete aos quatorze anos, começamos a tomar consciência de quem nós somos a partir do contato com o outro.

Tanto é que nessa idade, inclusive, a nossa sociedade entende como a ideal para que nossos processos de socialização se tornem mais constantes: entramos na escola, expandimos nosso círculo social mais essencial (as pessoas que cuidam de nós) e passamos a experimentar o outro e a sociedade em que estamos inseridos e inseridas. Nossa cognição já está mais firmada, embora não completamente formada, então passamos a compreender algo maior que a estrutura familiar: o funcionamento social. Quando entendemos nosso lugar nas relações interpessoais vamos aprendendo o que gostamos ou não, o que queremos ou não, o que podemos ou não, e isto também nos define. Essa segunda fase de desenvolvimento é ao mesmo tempo mais solta e restritiva que a anterior, uma vez que toda sociedade tem suas limitações que vão podando ou não nossa personalidade. O curioso é que só sofremos esses cortes em nossos galhos se tentarmos espalhá-los por aí. Não se deve negar que o processo pode ser doloroso e castrador, mas por outro lado, em uma sociedade mais próxima do saudável, embora tais cortes ou desvios de quem somos sejam inevitáveis, essa delimitação apenas nos ensinaria os limites entre nós e o outro. Afinal, os nossos galhos espalhados podem ferir ou impedir o movimento das pessoas também. Com diálogo e compreensão mútua, pode ser possível que um não machuque o outro e se decidam novos caminhos de coexistência.

Swadhisthana significa morada do ser. Pode parecer curioso que o nosso ser resida no outro, mas é que de fato, nos nossos primeiros momentos no planeta terra, apenas existimos de forma mais básica, e só quando nos juntamos aos outros re-existimos e passamos a ser, de fato. Afinal, de que adiantaria sobreviver sozinho no mundo? Ser humano depende de estarmos cercados de outros, apesar de animais não-humanos também se conectarem a nós e fazerem parte de nossas relações para sobrevivência. A vida faz mais sentido quando estamos aliados com os nossos iguais: a nossa espécie.

O segundo chakra nos ensina sobre afetos e relações amorosas, não só para o amor romântico mas também no que diz respeito a todas as formas de se relacionar. Um ser humano ligado apenas ao primeiro chakra, funciona em modo de sobrevivência, mas quando passa pelo desenvolvimento das questões do segundo centro energético, abraça sua face de animal social e passa a se inserir em um estágio que os outros animais também tem, mas talvez não com tanta consciência: o ser entende a sobrevivência como algo coletivo e passa a dar sentido à existência também na conexão com o outro. Ao longo de milhares de anos de evolução, deixamos de ser partículas soltas no oceano primitivo e adquirimos habilidades sociais que também garantem que a espécie se perpetue e se renove. Os hormônios, fluidos percorrendo e regulando camadas diferentes do nosso corpo (a camada física, a mental, a emocional), além de impulsionarem alguns de nós ao desejo da reprodução através do sexo, também garante que o afeto entre humanos, independentemente da sexualidade, mantenha nossa espécie unida para sobreviver e superar aos ciclos de destruição que fazem parte da própria vida.

Às vezes, nos esquecemos de que tudo que nos move fisicamente é coordenado por glândulas e que até nossos sentimentos e pensamentos são afetados por elas. O amor, o desejo pela presença do outro, o carinho são necessidades humanas básicas, mesmo que um pouco menos imediatas do que as que precisamos para sobrevivência diante do perigo imediato. Emoções e sentimentos são uma sofisticação que permite que a humanidade de fato viva, depois de ter aprendido a sobreviver.

A arte, mais que uma expressão do que imprimimos do mundo, é também uma forma de estender nosso entendimento do mundo para o outro também. Não importa só o que sentimos e somos ou a nossa sobrevivência acima de tudo: O outro é também essencial, até porque o ser humano é um animal dependente de afeto.

A arte parte do primeiro instinto de deixar uma marca no mundo, uma prova de que passamos pela terra e sobrevivemos, mas também é uma forma de fluir em direção aos outros e sentir em nós as impressões do outro. No desenvolvimento do segundo chakra, ainda não aprendemos a transmitir nossa mensagem com clareza, então neste passo da jornada, a arte ainda não é comunicação (embora já seja, pois todos os chakras estão, de certa forma, ativos o tempo todo, inclusive o Vishuddha - chakra da garganta, o responsável pela eficiência da nossa comunicação).

O Tantra, tradição milenar cujo caminho atravessa a filosofia do Yoga é bastante conhecido pelo sexo tântrico, muitas vezes deturpado pela visão ocidental de sexo como fonte de prazer. O que existe de diferente nessa forma de estar presente nas relações sexuais é justamente a ideia de que o ato sexual não tem como objetivo o orgasmo ou sequer a reprodução. O Tantra encara a vida como experiência, na qual devemos estar verdadeiramente presentes. Segundo essa filosofia, o cultivo da presença plena deve ser levada a sério em todas as esferas da vida, inclusive nas relações amorosas e sexuais. Mas ao contrário do que se pensa sobre praticantes do tantra, a recomendação é que se mantenha essa consciência e presença em todas as áreas da vida, não só no sexo, embora aí, neste tema relacionado ao segundo chakra, seja ainda mais fácil perceber que sentir a totalidade da existência do outro é importante, e a maior fonte de prazer e autoconhecimento que pode existir. No sexo, ao sentir o outro, nos fazemos verdadeiramente presentes e conhecemos a nós mesmos. Na vida, ao sentir o outro e o mundo, nos fazemos verdadeiramente presentes em nossa passagem pela vida e tornamos nossa existência mais consciente.

Aqui nessa parte da jornada, a nossa necessidade é de sentir e experimentar o mundo. É como se quiséssemos adquirir input. Não é o momento de compreender, significar ou transmitir. Não ainda. Até porque, só sabemos o que queremos dizer se primeiro sentirmos algo a ser transmitido. Nosso lugar no mundo, nossa localização, nossa percepção das coisas através do sentido e dos sentimentos: tudo isso conversa com o segundo chakra.

A arte que vem daqui, registra as nossas impressões do mundo, porque já temos sustentação suficiente para parar e perceber o que nos cerca.

Proposta de produção:

-Sinta o mundo ao seu redor. Use os sentidos. Sinta o vento na sua pele, a textura da roupa ao caminhar ou a água percorrendo o seu corpo durante o banho, busque a percepção de sensações nunca antes notadas. Se arrisque a ouvir músicas que nunca escutou e perceba o que ela provoca no seu corpo e na sua mente. Prove comidas que nunca experimentou ou tente encontrar novas nuances de sabor nos alimentos que já conhece. Sinta o cheiro de coisas que nunca experimentou cheirar. Olhe para as pessoas (próximas ou desconhecidas) e registre o que sente  ao vê-las, ou olhe para objetos que nunca tinha visto com atenção até perceber detalhes que nunca havia notado. Você pode escolher uma dessas experiências sensoriais por vez e registrar o que sente. Todos os sentimentos e sensações são bem vindos e podem ser anotados de forma livre. A partir desse registro, você pode produzir algo que relembre o que você aprendeu com essas experiências. De preferência, algo que você aprendeu sobre quem você é a partir dessas observações.


Na jornada do herói, saímos do nosso ambiente familiar, deixamos de lado nossa raiz e começamos a explorar um pouco mais o mundo exterior. Na jornada da heroina, também colocamos o pé na estrada e iniciamos uma viagem pela estrada das provações.

A jornada do herói

A jornada da heroína


Nossos heróis e heroínas saem para explorar o mundo exterior. O herói, em sua jornada típica, se encontra com um mentor, aprendendo um pouco mais sobre si a partir do conhecimento do outro. A experiência do outro é transmitida para o protagonista de nossas histórias mas principalmente, o personagem aprende com a própria convivência com o mentor, com a existência dele. Diferente das pessoas que cuidaram do estabelecimento da vida do herói, a mentoria vem para ensinar ao herói o que é esperado dele pela sociedade e o que ele não deve fazer. Já a heroína lida com uma sequência de provações que não apenas ensina a ela seus limites, mas também um pouco mais dos seus poderes e o que aprende - talvez não de maneira consciente agora - é que é possível conciliar toda sua força com suas limitações ou até superá-las. É sempre bom reforçar: nem sempre o herói passando pelo primeiro tipo de narrativa é homem e nem sempre a heroína cuja história é contada usando o segundo modelo de narração mítica precisa ser uma mulher.

Para pensar narrativas ou prosas: Quando vamos construir nossos personagens e temos o objetivo de demonstrar sua evolução rumo a um maior domínio de seus poderes e sua transformação em um herói mítico digno dos louros do olimpo, podemos pensar que tipo de mentor poderia ajudá-lo ou guiá-lo nesse momento inicial de descoberta do mundo e de si mesmo; ou ainda, podemos determinar que tipo de provação poderia testá-lo e provocar sua reflexão rumo à descoberta de suas limitações e poderes. As jornadas do herói e da heroína são de descoberta do poder individual, mas é interessante localizá-lo também naquela sociedade: qual é a função do poder e das qualidades que ele possui? O que os personagens podem aprender com seus mentores ou desafios sobre seu papel na sociedade à qual pertencem?

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