Kriya-ativa: Parte 1 - Muladhara
No plano energético, o primeiro chakra, chamado Muladhara se localiza na área física correspondente à base da coluna. No períneo, entre ânus e os genitais, é algumas vezes representado como um feixe energético que se volta para o solo. Relaciona-se às glândulas supra-renais, que liberam adrenalina e desencadeia as reações básicas da sobrevivência quando nos deparamos com o perigo: Fuga, luta ou estagnação. As questões desse centro energético se ligam, no plano físico, às nossas pernas e pés, aos nossos intestinos e ao nosso processo de eliminação.
Mental e emocionalmente, Muladhara nos conecta às nossas raízes. Este é, inclusive, o significado de seu nome: raiz. Quando estamos na idade entre os zero e sete anos é que firmamos as raízes da nossa personalidade, que sustentarão toda nossa vida daí em diante. Por isto, esta é a idade em que as questões principais desse chakra se desenvolvem. Não só a nossa primeira infância define o disco-rígido da nossa mente e nossas emoções. Nossa ancestralidade, a história de nossa família também. Quer saibamos do histórico de nosso sangue de forma ou consciente ou não, algo do que nossos antepassados foram segue em nós, no nosso DNA. A criação que recebemos também é uma herança que nos é passada pela família biológica ou afetiva, e é crucial nesta idade, na qual muitas das nossas habilidades emocionais até mesmo nosso desenvolvimento mental e psicológico se baseiam. Enfim, tudo o que veio antes de nós e nos trouxe até este ponto - a partir do qual podemos andar por conta própria - se torna base para os desenvolvimentos posteriores. A partir das nossas experiências dos primeiros anos de vida é que desenvolvemos todo o restante do nosso ser, para que caminhemos adiante coletivamente, enquanto humanidade. Assim como aprendemos dos zero aos sete anos que outros caminharam para nos prover neste primeiro momento, caminharemos para que os próximos venham e sigam a partir de onde conseguimos chegar.
Nossas relações com a comida, com o sexo enquanto mecanismo de sobrevivência da espécie e com a nossa segurança mais básica, de certo modo, também são influenciadas por esse centro energético, pois isso tem a ver com a sobrevivência de toda a espécie. São instintos que vieram até nós em nossos DNAs, depois de milhares de anos de evolução. Por mais que sejamos animais capazes de controlar parte de nossa natureza, nada altera nossos instintos diante da fome, do perigo e do desejo de reprodução (que não tem necessariamente a ver apenas com sexualidade em si, mas também com a nossa capacidade de nos organizarmos em sociedade para garantir que ao menos alguns dos que possuem nosso código genético humano sobrevivam). Tudo aquilo de essencial para a sobrevivência, o que há de mais belo e animal nos humanos, se concentra nas energias de Muladhara, o chakra raiz, associado ao elemento terra justamente por afetar aquelas partes mais sólidas de nós.
Quando pensamos na arte, podemos pensar em sua conexão com este centro energético:
Podemos, primeiramente, pensar o que sustenta nossa arte. O que nos permite criar? Qual é o básico que é necessário pra que nossa criatividade flua? Pensar nisso nos ajudar a entender quais raízes precisamos firmar para que nossa arte cresça e floresça forte e viçosa. É importante pensar que a arte só existe quando as necessidades do nosso chakra básico estão saciadas. Isto porque, ao mesmo tempo que a arte é um desejo humano de deixar uma marca no mundo e viver além da vida - ou seja, sobreviver mesmo após a morte - ela só acontece quando não estamos preocupados em sobreviver. Não é possível produzir ou apreciar esta sofisticação que nos difere dos outros animais quando estamos ocupados em sobreviver. Então, é interessante observar a ligação da nossa coletividade com a arte: o que precisamos mudar para que nossa sociedade dos dê o essencial (comida, segurança, afeto) para que a arte seja não mais algo possível de ser criada e apreciada apenas pelos que têm acesso a isso que nos é básico? Se entendemos que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte, mas que essa reflexão sobre o mundo só é possível depois que temos o básico garantido, quão urgente se torna garantir a sobrevivência de todos? Afinal, o direito de refletir sobre a vida e deixar uma marca no mundo após seu fim é um direito de todos, mas que vem sendo negado porque muitos de nós estamos ainda lutando pelo básico. E enquanto ainda houver alguém sem essa garantia, não é evolução para a humanidade como um todo.
Ainda pensando sobre nossa sobrevivência enquanto espécie, é interessante refletir: De onde viemos? Qual é a nossa história que começou antes do "Era uma vez?" Como nossos pais se feriram desencadeando neles - crianças, como nós - a ação de, sem querer, nos machucar também? Quais são as lições e aprendizados mais enraizados na sua vida? - provavelmente assimilados durante a primeira infância. Estamos falando de legado - o que recebemos e o que deixaremos - e isto também é matéria e obra-prima da arte.
Se formos refletir sobre nossa arte - escrita, pintada, desenhada ou manufaturada de alguma forma, a nossa raiz tem a ver também não só com nossa história pessoal e coletiva mas também com nossa essência. Levando em consideração nosso estilo, aquela forma que inconscientemente carregamos e não conseguimos evitar com a consciência, é importante questionar: Em que solo nossas raízes se prendem? Do que elas se nutrem? O que nos sustenta? Como nos prendemos à terra quando as tempestades arrancam nossos galhos e o vento forte sacode até mesmo nosso tronco forte? Afinal, o estilo é mais do que um aprendizado - embora também se forme com ele: é algo muito próprio nosso, e a base de tudo que alteramos conscientemente na nossa forma de criar a arte. Qual é o nosso disco rígido? Aquilo que veio para nós no princípio de nosso aprendizado, a base do que somos e criamos, que sustenta toda nossa estrutura e nada pode nos tirar? Conhecer essa essência - ao mesmo tempo individual e formada pelo coletivo nos permite entender também o que podemos oferecer ao mundo como expressão artística.
Proposta de produção:
-Reflita sobre as questões propostas nos parágrafos anteriores. Escreva de forma livre sobre as perguntas, sem pensar muito sobre forma ou conteúdo. Apenas responda em forma de texto ou tópicos. Depois, selecione as palavras mais recorrentes. Produza algo utilizando alguns (ou todos, ou quantos desejar) dos elementos selecionados. Você pode criar poesia, crônica, pintura, desenho, colagem ou o que sentir de criar, mas esta obra deve ter a intenção de definir o seu estilo. Não se preocupe em fazer algo muito consciente ou perfeito: raízes são brutas e tomam a forma que tiverem de tomar de acordo com as condições do solo em que se encontram. Elas só se preocupam em existir e garantir a firmeza e a nutrição do seu ser. E assim deve ser essa produção-raiz da sua arte.
Como prometido na introdução desta série de posts, falaremos também sobre a construção de narrativas.
A jornada dos chakras é também uma jornada que nos acompanha ao longo da vida e vai seguindo nosso desenvolvimento, algo semelhante à trajetória clássica do herói ou da heroína.
A jornada do herói |
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A jornada do herói é uma fórmula narrativa tipicamente ocidental. Ela pode ser claramente percebida em diversos tipos de histórias: No teatro clássico, em filmes, livros e todo tipo de narração. Os heróis típicos da vida real e da ficção têm suas trajetórias marcadas por passos que se encaixam na ideia sintetizada por Joseph Campbel e Christopher Vogler de que as histórias épicas e míticas acabam se reduzindo a uma série de ações consequentes que levam à formação da personalidade admirável dos heróis. Muitas histórias se encaixam nesse formato ou podemos ainda tentar escrever de acordo com essa ideia (ao menos até conhecermos a fórmula tão bem a ponto de quebrarmos sua estrutura com mais entendimento de outros modos de contar histórias)
Quando vamos desenvolver nossas narrativas em prosa, podemos pensar no que sustenta nosso protagonista: qual é a origem dele ou dela? Mesmo que a ordem das revelações não seja essa ao longo do desenvolvimento da trama, pensar em um histórico familiar ou na base da formação dos personagens ajuda a deixar a persona que construímos mais sólida e concreta. Até mesmo os desvios do seu trajeto ficam mais coerentes pois sabemos sua fundamentação. Ter consciência dessas origens ao criar a história nos ajuda a apresentar o herói ainda em seu lugar de pessoa comum, sem muito de extraordinário.
Quando recebe o chamado da aventura e o recusa, nosso herói ainda está com as raízes fincadas no que o consolida. Então, pensar em suas raízes nos ajuda a deixar mais coerente as razões para negar a aventura. O que o protagonista conquistou de essencial que não quer deixar para trás? Muitas vezes, o entendimento do que é essencial para a personagem nos ajuda a fundamentar também o porquê de ela enfim ceder e aceitar a aventura que antes tinha negado.
A jornada da heroína, algumas vezes entendida como uma alternativa à estrutura narrativa do herói, por vezes pode ser apenas um outro modo de entender os mesmos fatos de uma história. Levando em conta que a energia masculina (Shiva para o Yoga; Yang em outras linhas de pensamento) é uma energia de geração, mais vital, física e sólida, nos dois ou três primeiros passos da jornada do herói, ele se encontra ignorando suas energias femininas (Shakti ou Yin existem em todas as pessoas, independente de sexo biológico ou gênero) e se voltando para o que existe apenas de mais imediato e básico: as sobrevivência. Na primeira fase de nossa vida e no primeiro momento narrativo, nós e nossos protagonistas ainda não aprenderam a sutilizar suas forças, a suavizar suas realizações, a racionalizar e compreender as sutilezas de quem são, até mesmo por estarmos presos no mundo exterior, voltados mais para a fora porque é isso que nós e nossos heróis precisam fazer nesse primeiro momento: resistir a tudo que nos cerca primeiro, para só então começar com mais consciência o nosso processo de individuação que nos tornará heróis e heroínas de nossas próprias aventuras.
Para pensar narrativas ou prosas: Qual é a origem dos personagens? O que eles pensam ser essencial para eles? Qual é a base que os sustenta e os faz recusar o chamado da aventura? E o que é tão necessário que os faz aceitar o chamado posteriormente e deixar aquilo que é familiar a eles?
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