Primeira pessoa: Eu não sei se quero fazer isso

Eu olho pra tela em branco, a tela em branco olha pra mim. Suspiro. Ela continua me encarando. Me sinto pressionada. Eu poderia sair da frente dela, procurar outras coisas mais pra fazer. Mas é como se uma força pregasse meu corpo na cadeira. O olhar da tela em branco pra mim é uma projeção minha. Ela não me encara, não me pressiona. Ela não quer nada de mim. Eu é que quero vê-la preenchida com as minhas palavras, com as ideias que eu sinto que preciso dizer. Eu preciso mesmo escrever o que penso que preciso escrever?

Eu amo escrever, e costuma ser fácil pra mim. Minha cabeça está cheia de ideias, borbulhando, ferventes e que eu não quero que entrem em ebulição. Antes que evaporem, quero derramá-las em papel. No caso, aqui, quero derramá-las na tela. É fácil derramar histórias e poesias, como deve ser fácil pra chuva chover. A nuvem simplesmente desaba sobre a terra, não deve ter mistério nenhum: a chuva sabe chover e ninguém diz a ela quando ou como chover.

Mas eu me ponho aqui, frente a essa tela. Estou ordenando que a minha tempestade de ideias enfim se precipite. Chuva, por favor, chova! Eu peço, eu danço, eu fico do lado de fora olhando pro céu esperando a chuva cair. Se eu estivesse do lado do dentro ela também não viria porque a chuva só vem quando tem que molhar, e eu sei que não é agora, porque o céu está aberto e claro, sem nenhuma nuvem.

Tenho me forçado a escrever por aqui. O blog foi uma ideia pra me mostrar como escritora porque quero, um dia - que eu parece que vai chegar mais rápido do que eu imagino e mais lento do que eu quero - publicar livros, ser lida e aquele processo todo que vocês já sabem. E aí eu me comprometi com uma regularidade e agora me vejo lutando com um texto semanal. Como boa virginiana, sou disciplinada e costumo concluir tudo que me proponho a fazer. Chega a me atormentar mentalmente não cumprir com o que determino. E isso me deixa em um dilema: Eu não quero descumprir o que prometi a mim mesma, mas também não quero escrever algo de que eu não goste.

Muita gente sabe que eu amo um certo grupo de k-pop cujo nome eu não vou citar porque estou, inclusive, me abstendo de falar sobre ele por essa semana porque eu sou muito, muito envolvida com as coisas que eu amo e em tempos pandêmicos, a ilusão de proximidade que a indústria da música coreana me vende e que eu compro com prazer está me deixando bem louca. Bem, isso é assunto para outro texto, mas eu quero compartilhar uma das muitas epifanias que assisti-los por tanto tempo e de tão perto (mesmo que tão longe!) me proporcionou. Park Jimin é um dos vocalistas e dançarinos desde grupo. Um libriano que, em uma das entrevistas mais recentes e completas que cada um dos integrantes deu à Weverse Magazine, disse que havia descoberto recentemente que ele é uma pessoa que GOSTA DE SER AMADA. Ele ainda afirmou que foi um aprendizado pra ele entender que isso era importante pra ele. "Mas quem é que não gosta de ser amado?", você deve estar se perguntando. Bem, acho que todo mundo gosta de ser amado em algum ponto, de algum modo. Mas quem é que sabe que gosta de ser amado e o quão importante isso é pra sua vida? Meu amado Jiminie ainda disse que fazia arte (a música, a dança, a performance de ambas) não como uma mera forma de expressão, mas também para ser amado e nossa, como eu me identifiquei com essa fala! Ele disse que sentia muita falta dos palcos em tempos pandêmicos justamente porque não estava sentindo a presença desse amor que ele buscava na troca com os fãs que só um show pode entregar. 

Eu escrevo pra tirar coisas da cabeça. Mas quando mostro o que escrevo, é pra receber amor. Não espero que todo mundo ame o que eu escrevo. Entendo perfeitamente que algumas pessoas podem achar banal e insosso, outras vão achar ridículo, pode ser que alguém me odeie, mas a grande maioria só vai ler e seguir a vida. Eu mostro meus textos pra receber atenção, que pra mim é um possível sinônimo de amor. Jimin é perfeccionista como eu, mas como todo mundo que nasce com esse desejo de fazer tudo conforme alguém (quem?!) disse que devia ser feito, ele está aprendendo que é impossível ser totalmente perfeccionista e também feliz. Assim me parece, pelo menos, quando o vejo falando atualmente sobre suas falhas. Ele tem se enxergado com mais leveza, pelo que parece. Eu também sou uma perfeccionista. Ou pelo menos foi assim que fui rotulada a vida inteira. Não me considero, de fato tão exigente em tudo, mas enfim... eu também estou aprendendo a demandar menos, até do que eu escrevo. Sei que quando me mostro enquanto escritora, não vou ter o resultado perfeito que eu desejo: nem todo mundo vai me amar.

Ainda sobre o perfeccionismo, minha ex-chefe dizia que o ótimo é inimigo do bom. E tenho trabalhado pra mostrar mais o bom do que o ótimo, porque o bom também precisa existir. Tenho trabalhado pra por no mundo mais textos feitos do que perfeitos. Até porque esse conceito da perfeição é altamente discutível. E além disso, é extenuante tentar alcançar esse padrão constantemente. E aqui no blog, essa proposta é semanal, e no instagram, isso nem tem medida! Não sei se Jimin sente isso, mas eu sinto: medo de que ao entregar o feito e não o perfeito, ao mostrar só o bom e não o ótimo, eu seja menos amada pelo que escrevo. Nem todo mundo tem que me amar por causa do que escrevo, e nem é essa a minha ambição. Mas eu sei que esse é um dos meios que eu tenho pra sentir amor. E se todo mundo me achar ruim e me abandonar e deixar de ler o que ponho no mundo? E se ninguém, ninguém mesmo me amar através desse gesto simples que é dar atenção a algo que escrevo?

Não é isso que acontece. Nunca tive o dom da popularidade (o Jimin parece ter, afinal ele é libriano!), mas sempre teve meia dúzia de pessoas me amando, me apoiando e dizendo o quanto eu sou importante. E isso além de ser um apoio, um incentivo, também é sentido por mim como amor. Eu sou lida sim. E as vezes até me surpreendo com alguns depoimentos de lágrimas, emoções e admiração pelo que escrevo. Mas a gente tem expectativas, sabe? Eu quero ser mais lida. Quero crescer. E além do meu desejo interior, existem também expectativas externas. Pra mim, nunca foi difícil ser gentil comigo mesma, embora eu esteja aprendendo a ser ainda mais. No entanto, é bem difícil lidar com o que esperam de mim. Estar num mundo capitalista liberal no século XXI é depender de números, seguidores, likes, uma interação superficial, mecânica e compulsória pela internet, da qual é muito difícil escapar quando você quer ser publicada, quer ter leitores. Eu não sei outro modo de conquistar leitores que caibam na minha vida no momento. Então realmente, só me resta o instagram mas tenho que alimentá-lo com coisas pra que as pessoas leiam e comecem a entender se vão ficar comigo ou não pra que enfim eu alcance o que desejo.

Porque eu quero publicar? Porque eu quero ser lida? É pra ser amada, mas também é pra ser simplesmente vista, pra receber reconhecimento. Talvez eu esteja mostrando o que eu escrevo pelos motivos errados, então. Mas no momento é o que eu quero e se eu algum dia mudar, vai ser um processo e não só porque tive tal entendimento. Enfim, quero ser lida porque é o meu movimento de exteriorização.

Em relação ao externo, também tem sido difícil me motivar porque tudo do lado de fora está ainda mais bagunçado do que dentro de mim.. Eu continuo amando escrever minhas histórias, eu continuo tendo facilidade de escrever poesia, como se tudo isso viesse a mim e eu fosse apenas um instrumento mediúnico para transcrever para o mundo material, através das palavras, o que existe no mundo das idéias, aquele que Platão descreveu a tantos anos atrás e que ainda é relevante pra nós. Talvez eu queira ser como Platão. Talvez eu tenha a ambição de ser lida por um longo tempo. E tudo bem ter ambição., vontades, desejos. Não quer dizer que eu precise fazer tudo pra conseguir alcançar esse objetivo. Também não quer dizer que eu vá fazer tudo pra chegar nessa meta (tem outras coisas que eu também quero na vida, e não sei quais delas vão de fato acontecer ou não). E tampouco quer dizer que eu vá conseguir mesmo ser lida por mais gente, ter qualquer reconhecimento além da minha família e dos meus amigos, essa pouca gente que tem me amado. Essa dualidade é minha e eu posso vê-la com clareza: Eu tenho ambição, mas eu não faço muito pra chegar lá, porque também acredito muito que o que tiver de acontecer vai acontecer, e o que não vem fácil, muitas vezes nem deve nem ser.

Mas eu tô aqui, sentada em frente à tela em branco, querendo que chovam palavras dos meus dedos.

É uma contradição. Eu quero escrever toda semana, seguindo o que planejei, mas tem sido difícil me manter inspirada e isso tem a ver também com eu estar desesperada ou desesperançosa, ou as duas coisas, já que, bem... vivo no Brasil pandêmico em 2021. 

Pra lidar com a falta de inspiração pra esses textos aqui, eu tenho usado a disciplina. Eu me sento e escrevo. Ou me forço a escrever algo. O texto dessa semana teve duas versões e esse aqui é um segundo texto, completamente do que eu tinha pensado em escrever. O que vai ser da primeira tentativa? Não sei. Escrever não é mágica, é trabalho, e o tempo e a minha dedicação podem escolher deixar aquele texto esquecido ou transformá-lo em algo novo. Ou não, talvez seja só aquilo mesmo que eu tenha a dizer do assunto sobre o qual comecei a escrever anteriormente. Bem, de qualquer modo, eu estou aqui escrevendo este texto. E já escrevi tanto, não é mesmo?

As palavras que você lê agora vieram da emoção. E como parte do meu processo de autodescoberta, além de comparações e observações antropológicas dos membros do grupo de k-pop do qual gosto (mas cujo nome continuarei sem dizer porque sou disciplinada e estou em recuperação do meu vício) e contando com constatações, tenho aprendido que escrevo de um jeito que gosto mais quando estou movida pela emoção. Eu inclusive descobri recentemente ao ouvir um podcast que etimologicamente a emoção é algo que nos move. E esse movimento textual funciona pra tudo que eu tenho que escrever. Da emoção tudo flui com tanta facilidade: poesia e prosa, mas também essa prosa aqui. Por isso essa versão do texto está me agradando. Ela está vindo do que eu sinto. Tem funcionado assim pra escrever. Eu escrevo também sobre Yoga no meu instagram sobre Yoga (sim, eu dou aulas de Yoga também!) e lá eu nunca tive dificuldade em escrever porque eu sempre escrevo conforme a minha vontade de escrever sobre determinado ponto da prática de Yoga. Tudo vem da emoção quando escrevo por lá, e lá sempre foi confortável essa escrita meio crônica, meio depoimento, meio informativa.  Quero fazer isso aqui no blog ou no meu instagram para escrita também.

No entanto, a pressão externa... Ah, a pressão externa! Pessoalmente, não ligo muito pra perder seguidores ou de não ser grande. Quem eu atingir com minhas palavras já me deixará satisfeita, mesmo que eu queira crescer, como disse antes. Eu entendo que tudo é fase, é cíclico e é processo, com altos e baixos. Mas eu tenho medo de não ser lida, de não ter gente interessada no que eu digo e futuramente em comprar meus livros, cada vez mais concretos e próximos de virarem realidade. Tenho medo também de me forçar a escrever e produzir sem a emoção. E aí eu não vou agradar nem a mim mesma nem aos outros e não vou ser amada, como eu e o Jimin gostamos de ser amados através da nossa arte. É o nosso momento de ser beijados, como Tablo bem escreveu sobre a relação entre fãs e músicos.

O músico e o ouvinte:
Se isso é amor entre dois desconhecidos
olhando um pro outro à distância,
aquele momento bruto e fervoroso
em que se precipitam
e se beijam
é
o show.

Tablo.


(Eu não queria falar sobre eles, mas parece que é inevitável, eles estão sempre na minha cabeça agora e é por isso que eu tenho que seguir na minha rehab!) Bem, sem citar nomes, AQUELE GRUPO, tem uma música chamada Black Swan, que fala sobre como nós, que fazemos nossa arte, pequena ou grande como a deles, vivemos através do que produzimos, como se nossa arte fosse uma parte de nós, um meio para nossa vida acontecer, ao menos em partes. É mais ou menos a temática do filme com o mesmo nome, uma das inspirações pra música e também um tema similar ao do filme Whiplash. O hit coreano também traz outras referências sobre essa relação entre artista e arte mas uma das que mais me toca na minha relação com o que escrevo é definitivamente o que os primeiros versos dizem: 

"O coração para de bater /quando a música começa a tocar (...) Essa seria a minha primeira morte,/da qual sempre tive medo. (...) E se esse momento for agora?"

Aqui, a música faz referência à fala de Martha Graham "Um dançarino morre duas vezes: uma quando para de dançar, e essa primeira morte é a mais dolorosa". A dança, a música e a escrita, como formas de arte e expressão, quando se tornam uma obrigação e passam a ser um meio de trabalho ou quando busca uma perfeição e uma superação infinitas, passam a perder o encanto. O coração para de bater em frente a minha tela. Será que estou perdendo o encanto pela escrita quando me forço a estar aqui escrevendo? Eu não sei. Se eu seguir a emoção, acho que nunca morro, pelo menos não literariamente. E é curioso como a música, a dança e a escrita precisam desse movimento da emoção. Mas e se eu tiver que morrer e me forçar a escrever sem a emoção para sobreviver no mundo da escrita? E olha, falo de um lugar bem confortável, porque não VIVO de escrever. Pago minhas contas com Yoga, que eu falei ali em cima, então escrever é ao mesmo tempo menos crucial mas também mais importante porque eu faço mesmo com o intuito de me expressar e receber aquele tipo de amor que busco com a arte. Talvez eu seja como a Sininho, a Lady Gaga ou o Jimin. Sem amor, sem atenção, sem aplauso, talvez eu morra (a culpa é das estrelas sim: tenho vênus e meio do céu em leão). E essa morte é muito dolorosa.

Por enquanto, sigo viva, esperando a chuva cair e formar um lago sobre o qual eu, cisne negro, possa flutuar graciosamente, me exibindo com a minha arte e sendo amada e admirada por ela. Junto a Park Jimin e outros cisnes que vivem através da arte que deixam no mundo.

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