Escritas: Literatura e Justiça
Eu tenho vivido dilemas quanto à minha escrita. Claro que muito desse conflito, que até tem origens mais antigas, se agravou pelo simples fato de eu estar passando por uma situação de mentoria, na qual tenho me confrontado com diversas questões que já me assolavam consciente ou inconscientemente e que eu preciso resolver porque tem uma pessoa me cobrando respostas.
Uma coisa que eu, como virginiana típica que sou, sempre busco é dar utilidade a tudo que faço. Nessa altura da vida e por meio de terapia já percebi como nem tudo tem utilidade. Mas o instinto é mais forte, a vontade de deixar tudo funcional é algo maior do que eu. E é claro que eu me pergunto muito pra que serve o que eu estou escrevendo. Não pra mim, porque eu já tenho essa resposta. Eu escrevo pra tirar da cabeça, como o próprio título desse blog sugere, e escrevo porque não penso em outras coisas quando estou debruçada sobre a organização escrita das minhas palavras. A minha questão é com os outros. Claro que eu escrevo para ser lida. Se não, me contentaria com um diário. Mas porque me leriam? Eu tento dar uma utilidade ao que escrevo, tento dar um sentido à existência dos meus textos.
Eu tenho também um senso de justiça bem forte. Fico querendo fazer mais pelos que não têm. Meus pais chamam de síndrome de defensora dos fracos e oprimidos. Isso se mostra no meu posicionamento político, na minha alimentação vegana, nas minhas ações e doações, nas minhas escolhas diárias.
Acho que minha literatura acaba tendo muito disso: eu quero escrever sobre e para quem não é visto, quero usar um pouquinho do que eu tenho para fazer justiça. E isso está em todas as minhas histórias, agora que minha escrita amadureceu um pouco mais e minha visão do mundo também. Penso o máximo possível nisso ao escrever tudo, de um simples twit a um conto, um post de instagram ou aqui. Minha prosa costuma ser para o outro, muito pouco do que escrevo costuma ser pessoal e falar de mim (embora tenha muito de mim em tudo, também, inevitavelmente!)
Às vezes questiono se escrever é suficiente, com tanta coisa mais séria acontecendo no mundo. Tem gente com fome, tem gente sendo assassinada, perseguida e, não que eu não faça algo além de escrever, mas... eu quero oferecer um pedaço de papel com uma história? Aí me vem à mente o filme Os 7 de Chicago. Um dos personagens, se preparando para um discurso é questionado se deveria levar uma arma. Bobby Seale recusa, mesmo que os tempos estejam turbulentos. Então ele diz a frase que bateu direto em mim "Se eu soubesse usar isso (a arma), não precisaria fazer discursos."
Vou passar um pouco por um outro caminho antes de retomar esse ponto. Eu sempre tive umas questões com a Clarice Lispector. Enquanto todo mundo aclamava, eu desconfiava. Enquanto as pessoas achavam genial, eu achava confuso. Claro, eu era adolescente e estava lendo A hora da estrela e Perto do Coração Selvagem, que bagagem eu tinha pra compreender todas as camadas dos textos? Meu primeiro elogio à minha escrita vindo de uma completa estranha disse que eu escrevia parecido com ela. Aí eu fiquei intrigada. Como é que pode? Eu achei chique, claro, o nome dela faz volume. Mas eu ainda não estava satisfeita. Na faculdade, fiz uma disciplina inteira (80 horas!) dedicada aos contos dela. Continuei sem achar isso tudo e ainda por cima eu não me conformo com aquele conto do menino que come a galinha! Eu ainda não entendia, achava superestimada mesmo que ela tivesse algumas coisas que me tocassem e ficava sempre um tom que não sei explicar me incomodando. Não o tipo de incômodo bom que a literatura deve causar às vezes. Mas definitivamente um estorvo que me impedia de apreciar o que eu conhecia da obra dela. Até que agora, na mentoria de escrita, me deparei com uma crônica da Clarice. Eu ainda não tinha lido crônicas dela. E aí eu entendi tudo que diziam sobre ela. Eu, enfim, me vi na escrita dela. E fiquei nessa de ler algumas crônicas dela depois da aula com a minha mentora, Fernanda Rodrigues e com a Aline Caixeta.
Me deparei com muita coisa que conversou comigo, mas em especial, com essa crônica chamada Literatura e Justiça. Eu estou aí, em cada palavra dela. E espero fazer jus e justiça com o que eu escrevo. Eu não sei usar uma arma, como Bobby Seale também não sabia. E talvez, meu maior ato de pequena justiça, por menor que seja, seja escrever. Ele falava de agitar massas, mas eu acho que precisamos agitar todo dia um pouquinho cada um, pra que grandes discursos provoquem as reações que precisam provocar nas pessoas. É o que eu e a Clarice podemos fazer e a consciência disso me ajuda a entender para onde quero ir com a minha escrita.
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