Eu quero acreditar no romance!
Talvez existam pessoas que se sintam completamente motivadas a seguir a vida partindo apenas da realidade. Eu sou o tipo de ser humano que precisa da fantasia, da imaginação, da utopia, da idealização pra que eu transforme a minha realidade como é possível. É a partir do meu ideal de mundo que eu me movo, e por isso a ficção é tão importante. Ela me comove, me faz ver as possibilidades em ação e aí, a fantasia me ajuda a me movimentar dentro das minha possibilidades. A ficção inspira muitas áreas da vida, inclusive a amorosa, e quando eu leio romances ou filmes românticos, quando acompanho a história de casais ficcionais, quero me inspirar. Que tipo de sentimentos eu quero ter? Qual é o meu modelo de romance? O que devo buscar?
Claro que sei que não é porque eu busco o que vejo nessas histórias que espero algo exatamente igual àquilo. Vejo esse tipo de história como um guia para um amor utópico, que sei que não vou alcançar porque os conflitos de um relacionamento não se resolvem com uma declaração de amor no aeroporto antes que o amor da minha vida (naquele momento) vá embora! Então, sabendo que a ficção é apenas ficção mesmo, tento muito desconstruir - no meu dia-a-dia - vários ideais românticos que foram criados não só pela ficção mas também por realidades ao meu redor. Mas independente das fantasias que precisam ser equilibradas com a realidade, uma coisa eu ainda quero muito sentir: o friozinho na barriga, a sensação de que estou andando em nuvens que só o encantamento amoroso trás. E a ficção também tem, pra mim, a função de fazer sentir em outras histórias.
Acho que o gênero de comédias românticas é um dos meus favoritos na literatura e no audiovisual porque une essas duas coisas: Posso sentir coisas gostosas e ainda criar um ideal pra me mover.
Como tudo feito por e dirigido a mulheres tende a ser considerado menor na nossa sociedade, o gênero sempre foi criticado por oferecer produtos superficiais e seguir fórmulas pouco realistas, como se fosse o único gênero que fosse assim. Entretenimento pode ser simples e ainda assim bem feito, e ainda assim oferecer boas sensações. Com o tempo, começamos a ver as comédias românticas como filmes bobos por suas simplicidade ou por se tratar de amor. O amor romântico é tão valorizado para que possamos formar famílias e seguir servindo ao capitalismo, mas ao mesmo tempo essa conexão é tão desprezada e relegada a um lugar secundário quando convém, não é mesmo? Como tudo aquilo que cai no espectro do feminino - embora não seja um sentimento exclusivo das mulheres - o amor é dado como bobo, então histórias sobre isso são consideradas menores também.
"Para todos os garotos que já amei" é uma franquia de comédia romântica muito boa, ao contrário das narrativas que descrevo neste texto. |
Por mais irreal que possa funcionar o amor nas comédias românticas, ainda é gostoso assistir a esses filmes porque queremos acreditar no amor! Eu quero acreditar no romance, e por isso aperto o play, por isso compro o ingresso, por isso abro o livro.
No projeto 30 rom-coms antes dos 30, Maria Rachel comenta filmes do gênero e tudo que eles nos ensinam e podem nos fazer pensar sobre o amor e sobre a busca do amor também - além de outros temas, afinal essas histórias tem várias dimensões. Como fã de comédias românticas e cria da era de ouro deste tipo de filme nos anos 90 e 2000, os textos mensais que chegavam no meu e-mail me fizeram revisitar clássicos e olhar com outros olhos para estes filmes e também para alguns dos poucos atuais.
A de ouro das comédias românticas já passou no nosso mercado ocidental, e por alguns anos fiquei desamparada até encontrar o mundo dos dramas asiáticos. Talvez seja injusto dizer que dramas coreanos - os que eu mais assisto - são apenas comédias e apenas românticas. A teledramaturgia da Coreia do Sul oferece séries deliciosas que transitam entre vários gêneros de forma sutil e coerente, então é muito provável que a gente tenha cenas de ação, drama, comédia e romance em apenas uma temporada dessas séries curtas. Também é muito raro que as histórias sejam apenas sobre amor. Normalmente, as tramas incluem realizações pessoais dos protagonistas, então não é incomum que o amor se torne apenas mais um elemento ali. Não secundário, não melhor ou maior, apenas paralelo a outros fatos e acontecimentos da vida.
Os anos assistindo essas novelinhas e um olhar crítico que veio com a própria maturidade e o entendimento de que há muito mais nos filmes românticos do que apenas romance me deixaram mais exigente. Então tenho sofrido nessa temporada de Natal.
É, eu adoro comédias românticas de Natal. Porque não tem como negar que fui criada num mundo cristão que ainda me faz acreditar que o espírito natalino vai me trazer o que mais desejo e preciso: o amor - porque sim, no meu caso, o que mais desejo e preciso sempre vai ser o amor romântico. Não é o primeiro ano em que tento assistir comédias românticas - em especial sobre esse período natalino - e não consigo sair do filme com aquele desejo de viver uma experiência romântica como aquela e até a sensação gostosa de me apaixonar por uma história fica distante dessas experiências.
Como levo muito a sério as minhas fantasias amorosas porque preciso delas pra acreditar e seguir, deixo aqui meu apelo à indústria cinematográfica: me ajudem a acreditar no romance! Esse ano tentei acreditar em duas e me frustrei.
O primeiro problema que tem aparecido é a superficialidade da relação romântica e dos personagens. Os dramas asiáticos tem mais tempo disponível - normalmente 16 episódios - para desenvolver o que acontece, é verdade, mas é raro que as histórias que tenho visto usem um pouco do tempo pra nos convencer das ambições, motivações e limitações dos personagens.
Em Um crush para o Natal, o protagonista tem tanto medo de ser o único solteiro da família que pede a seu melhor amigo para fingir que é seu namorado. Eu tenho 31 anos, sou solteira a vida inteira e minha irmã mais nova se casou antes de mim. Uma das minhas avós sempre me pergunta se eu não vou me casar e a outra começa a fazer o mesmo. Quando minha irmã foi morar junto com o marido, ouvi de parentes que ela tinha passado na minha frente. Eu tento entender de onde vem essas falas e tento e isso dói. Se eu mostrasse cenas representando isso, se eu falasse de forma emocional sobre como isso me machuca e contasse que eu fingiria ter um namorado só pra ter esse gostinho de pararem olhar pra mim com pena ou como se houvesse algo errado em mim, talvez vocês se convencessem dos meus motivos pra fazer isso, não é? Por mais que discordem, por mais que possa parecer uma solução absurda. Mas o filme não tem nenhuma cena que me mostre isso. Pelo contrário, o personagem - mesmo sendo sim o único solteiro - está o tempo todo super confortável em família. Nada me convence de que aquele clichê dos filmes faria sentindo ali. Eu também sei muito pouco da história anterior à trama do namoro falso (que, na verdade, nem vinga). A própria história não dá tempo pra que a gente sinta coisas, pra que a gente se veja no personagem, pra que a gente o compreenda. Temos só uma sucessão de fatos que não me convencem de nada e não me fazem sentir nada de especial.
As comédias românticas vivem de clichês - e não se enganem, todos os gêneros têm os seus: expectativas para filmes de cada gênero. Então, ao criar essas histórias, alguns deles serão usados ou quebrados. Os clichês funcionam quando são bem desenvolvidos, mas pouco tempo de tela é gasto para tornar essas histórias coerentes. Um clichê mal trabalhado estraga uma história.
Em Arranjo de Natal, temos um clássico: Os opostos se atraem. Um rapper acusado de misoginia e uma militante feminista se vêem em uma situação que os aproxima e começam a se apaixonar. Mas porque? Como suas oposições se complementam ou se anulam para que a sinergia entre eles funcione? O que uma mulher que detesta misóginos (com razão) e um homem que fala coisas horríveis sobre mulheres vê no outro a ponto de se tolerarem o suficiente pra se gostarem? E o que os faz mudar para que deem certo como casal? Nada disso é respondido na mini-série de 3 episódios. A desculpa do tempo não funciona aqui porque temos quase cento e cinquenta minutos pra resolver essas questões ou desfazer os mau-entendidos que os deixam em oposição. Os clichês precisam de motivos coerentes para estarem presentes nas tramas, precisam ser convincentes e, de novo, perde-se mais tempo numa cena cômica em que nada se desenvolve do que numa cena que explique as motivações dos personagens para se apaixonarem. Na vida real, nem sempre o amor ou a atração tem razões claras, nós sabemos. Mas na ficção, deveria ter pra que a narrativa faça sentido.
Um terceiro ponto é que agora, por questões mais mercadológicas do que por real envolvimento com as causas, muitos filmes tem trazido protagonismos diversos mas justamente por ser uma escolha que parece ser muito mais para agradar públicos consumidores do que pra de fato contemplar essas pessoas excluídas por anos das narrativas mainstream.
Tanto no filme Um crush para o natal quanto na série Arranjo de natal, as tramas não se decidem se vão tornar a questão que torna o personagem fora do padrão algo debatido ou não. Não é que todo filme com personagens de etnias subalternizadas precise discutir racismo, ou todo filme com personagens LGBT+ deva incluir lgbt+ fobia. Na verdade, são até bons os filmes em que esses pontos não se tornam uma questão, pra que a gente saia das histórias únicas. Mas ficar no meio do caminho é um problema. Não é porque o personagem não vai sofrer com aquela questão que ele precisa ser retratado como um indivíduo simplório. Existem outras complexidades para uma personagem imigrante que não se relacionem à xenofobia, por exemplo. Mas se ela for uma protagonista rasa, a quem essa falta de camadas na construção do personagem serve? Se formos ignorar completamente a homofobia, o que queremos dizer? E se formos, pelo contrário, abordá-la, a que narrativa subtextual já vista tantas vezes essa trama serve? É preciso tomar lados. Porque se nós assistimos comédias românticas pra acreditar que o amor pode acontecer com a gente, a gente tem que se ver ali, com as nossas dificuldades e também as nossas qualidades.
Essa superficialidade das tramas, dos personagens e das reflexões rasas a respeito de quem os personagens são acaba fazendo com que as relações não pareçam reais. Porque até a nossa utopia romântica tem que ter um pé no chão. Como é que eu vou crer que a militante feminista e o rapper acusado de misoginia vão ser felizes para sempre se eles nunca conversaram sobre isso? Se ele nunca se explicou ou se desculpou? Como é que eu vou acreditar que os melhores amigos fingindo serem namorados tinham sentimentos prévios um pelo outro se os sentimentos nunca apareceram e foram apenas ditos? O friozinho na barriga não vem. A vontade de viver uma história com aquele nível de compreensão, conforto e amor também não!
"Com amor, Simon" é um filme muito bom, que não tem nenhuma das problemáticas mencionadas aqui! |
A Coreia do Sul ainda me apoia. Mas me ajude, hollywood! Eu quero acreditar no romance! E ter com quem falar dos filmes, já que poucas pessoas próximas assistem dramas asiáticos, mas muita gente tem Netflix!
Comentários
Postar um comentário