Caminho
Caminho por pedras de mais de trezentos anos. Caminho, caminho. Que caminho devo seguir?
Ouvi o pastor dizer que o caminho se faz andando. A igreja dele é do caminho, é do carinho, é do amor, é do amar, é do amar-elo. Mas eu não sigo essa religião. O céu nessa cidade é sempre azul, mas ultimamente tem andado cinza. Essa cidadezinha tem tido pouco amar e muito armar, pouco amor e muito ardor e tem me feito pouco carinho. Qual será o meu caminho? Volto ao ponto de partida.
Estou numa encruzilhada. Dizem que o senhor aqui é Exu. Não conheço esse senhor a fundo. Estudei em colégio de freira, cresci em cidade católica, vivi em família kardecista. Fui criada com medo deles que parecem bem mais humanos que os santos das igrejas que me fizeram frequentar. Quando criança, eu tinha pesadelos com santos e depois cresci querendo nunca mais ser santa. Então será esse o caminho? Caminho entre as igrejas antigas, cimentadas com sangue, suor e lágrimas de pessoas cuja crença em Exu e todo um outro panteão sagrado foi extraída. Muitas outras coisas foram retiradas dessas pessoas. Entre elas, também a liberdade.
Quero sair daqui. Me sinto livre demais, me sinto presa demais. Não sei que trilhas devo percorrer. Será que sigo o leito do rio? Sempre senti que era peixe grande demais, que precisava do mar. Será que piso o mato que já amassaram antes de mim? Sempre quis fazer meu próprio caminho, mas eu já sei que tenho que pisar esse chão devagarinho. Devagar é tempo demais e eu não jogo a pedra hoje pra pegar o pássaro ontem. Só tenho o hoje e o amanhã e o tempo segue correndo, como as águas sobre as pedras, nas cachoeiras desse lugar.
Se eu for embora, vou sentir saudade daqui. Bebi dessa água muito tempo, já me tornei parte da fonte. E muitas das pontes estão quebradas. Tento alcançar o outro lado, sair dessa ilha deserta cercada de terra. Sei que tem gente do outro lado do rio e do choro e quero chegar lá porque estou tão só por aqui. Talvez seja por isso que construir a ponte seja tão difícil. Pra sair daqui tenho que andar sozinha. O que não quer dizer que escolhi com a consciência plena essa caminhada solitária. Talvez a caminhada seja tão difícil porque não vejo mais ninguém na mesma estrada.
Quando será que Godot chega? Será que ele pode me levar daqui? Ou será que ele nunca vem e só eu posso ser guia do meu próprio caminho? Caminho, caminho. É... Eu caminho. Mas não conheço bem o caminho.
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