Kriya-ativa: Parte 7 - Sahasrara

 

Flor de Lótus branca com as pétalas abertas, sobre a água e entre folhas

A simbologia da flor de lótus aberta é bastante difundida: ela floresce em águas lamacentas, mas permanece acima dela, intocada e pura. Mesmo que suas raízes estejam firmes na lama, e também exatamente por que se alimentam daquela água, considerada suja, a flor de lótus se abre, cumprindo seu papel de reproduzir a vida. O Sahasrara Chakra localiza-se no topo da cabeça e é muitas vezes representado como uma coroa formada por uma flor da tal planta com mil pétalas. Embora a cor mais tradicionalmente associada ao chakra seja violeta - representando consciência total -, também é comum que esse centro se ligue à cor branca - representando pureza - ou a cor dourada - representando iluminação. 

As flores de lótus no topo da nossa cabeça nos lembram que todo esse potencial de conexão com a vida nos são possíveis apesar e por causa de todas as nossas falhas. Temos raízes na lama: algo material, visto como como grosseiro, mas podemos e somos muito mais do que a lama em que estamos mergulhados. A flor que podemos oferecer ao mundo é pura, e uma parte importante para dar prosseguimento à vida. A planta está em contato com a terra, a água, o ar, e traz dentro de si o fogo da chama da vida. Ela é uma representação é um microcósmica de toda o cosmos e demonstra o nosso potencial de transcender a matéria para gerarmos algo maior: os nossos botões de flor que podem se abrir e revelar nossa beleza e nossa potência de vida. É a própria potência das sementes que a flor vai gerar que faz o fluxo da vida ter sentido.

O Sahasrara chakra, quando ativo e equilibrado, nos trás a sensação de conexão com o todo, com todos os seres, com a própria vida em nós e em tudo que nos cerca. A primavera de cada pessoa, quando este chakra se desenvolve e desabrocha, acontece a partir dos 49 anos, quando grande parte das nossas questões da vida já foram atravessadas, resolvidas ou compreendidas. Levando em consideração que a interpretação dos ciclos da vida tem origem milenar e as expectativas de vida gerais eram reduzidas, é compreensível que o ciclo de desenvolvimento principal se encerrasse aos 56 anos. Com o passar do tempo e aumento das expectativas de vida, em algum momento provavelmente começaram a surgir questionamentos sobre como se segue o nosso desenvolvimento após essa idade. Algumas linhas de estudos sugerem que após os 56 anos continuamos desenvolvendo o último chakra, outros acreditam que após este último setênio, voltamos a nos deparar com as questões dos chakras anteriores, mas já com outra visão, que vem a partir da experiência e da própria mudança no funcionamento do corpo.

O fato é que, de qualquer um dos modos, a abertura e o equilíbrio de Sahasrara nos apresenta a uma nova vida. Esta nova vida pode ser a continuidade da nossa própria existência, que agora segue, idealmente, uma expansão da nossa consciência. A nova vida pode ser também uma ressignificação daquilo que vivemos, já que passamos a ter mais ciência sobre o mundo que nos cerca e conseguimos dar sentido à nossa trajetória. Ao mesmo tempo que Sahasrara coroa nosso desenvolvimento, sendo aberto no que se convenciona a ver como o fim da vida, ele coroa nosso renascimento, que é porta para mais evolução mental e espiritual e uma desconexão do corpo físico facilitada pelo processo de envelhecimento - que nos ensina que o corpo é passageiro - e, ao mesmo tempo, dificultada por ele. Afinal, ainda estamos presentes na terra, e ainda carregamos um corpo no qual habita nosso espírito.

Um tema central deste chakra é a transcendência do corpo. Superar de forma consciente a materialidade fugaz é um aprendizado que se constrói com o tempo. O corpo se transforma, nos lembrando que tudo é passageiro, mas também a mente evolui nos provando que emoções e pensamentos também mudam, evoluem e até mesmo deixam de existir. Com essa percepção de que nada é sólido ou permanente, só nos resta a única certeza de que tudo é volátil e passageiro. Exceto aquilo que somos. Não somos nosso corpo, não somos nossos pensamentos, não somos nossas emoções, mas somos uma energia única, constantemente presente até deixar de ser.

Por mais complexo que seja esse entendimento, temos acesso a uma experiência quase diária de superação da ideia de que somos nosso corpo, nossos pensamentos ou emoções: o sonho. Durante o sono, nossa mente nos oferece uma experiência de existirmos que supera nossa experiência corpórea, emocional ou mental. Afinal, quantas vezes, sonhamos com formas físicas, pensamentos e emoções que nunca nos ocorreram no mundo real? Sem escolha consciente, no mundo dos sonhos superamos qualquer conceito que possamos construir sobre quem somos que se baseiem em materialidades. No sonho, é comum que apenas saibamos que somos nós vivendo aquilo - e apenas essa consciência basta. Outros fatores não são determinantes para nossa identificação dentro daquele universo onírico.  Não à toa, a glândula ligada ao Sahasrara Chakra é a pineal, que controla o nosso sono e, quando regulada, nos permite um acesso saudável e equilibrado ao sonho.

A ideia de entendermos que não somos um corpo - ou não somos unicamente um corpo - permite a nossa identificação com o tudo, justamente ao nos mostrar como somos nada. A ideia pode parecer filosoficamente complexa, mas resgata justamente a ideia da flor de lótus: nós somos mais do que aquilo que nos faz, ou seja, a lama. Somos também e principalmente a flor, apesar e por causa da lama. Nós simplesmente somos, e isto basta para que a nossa existência seja válida e pertença assim, a esse grande tudo, que na verdade é também um grande nada. De certa forma, essa consciência nos reconecta ao primeiro chakra. De fato, ganhamos uma nova chance de repensar todas as questões trabalhadas anteriormente levando em conta a efemeridade do corpo, da mente, das emoções. Quando sabemos que só a nossa essência única - que nunca é definível e palpável, apenas é - fica, a mera consciência disso já começa a reconstruir a nossa relação com o corpo, com o outro, com nosso papel no mundo, nossos afetos afeto, nossa comunicação e nossa intuição.

A arte nos apresenta a possibilidade de brincar de forma consciente com a ideia de ser tudo e ser nada, com a ideia do todo ligado ao individual, com esse lótus enraizado na lama. E, de certa forma, também reconstrói a nossa relação com tudo que somos e tudo que nos cerca, revisitando as questões anteriormente trabalhadas e buscando a essência que fica, quando o que não é essencial e o que é efêmero passa. A sugestão que fica é que possamos encarar a arte também como uma forma de deixar nossa essência presente no mundo.

Proposta de produção: Qual é a sua essência? O que é essencial para você? Qual é a essência da vida? Como estas ideias podem ser transmitidas para o mundo? Qual a melhor forma de expressá-las com a sua arte? A sua arte pode conectar você ao todo? Como? Escreva as respostas para as perguntas acima, redigindo o seu guia para a própria arte. Se preferir, responda em forma de tópicos ou faça um texto. Depois, tente produzir alguma ideia pré-existente ou algo novo que vier em forma de inspiração, levando em conta as respostas anteriores. Este guia não precisa ser seguido rigidamente, e esse exercício pode ser feito em momentos diferentes da vida, produzindo respostas diferentes de acordo com a evolução da visão e possibilidades artísticas ou mesmo refletindo o momento de percepção da vida. A arte ou as artes vindas desta proposta podem ser um retrato da sua produção.

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