É lugar comum acreditar que se não nos amarmos primeiro, não somos capazes de amar aos outros. Embora o amor não seja exatamente causa e consequência - já que o amor pelo outro não vem só depois do amor próprio -, quando somos capazes de saber nosso exato lugar, valor e papel no mundo, o amor vem em nossa direção e na direção dos outros de forma mais fluída. O tema principal do Anahata chakra, o quarto centro energético localizado no centro do peito é o amor incondicional.
Em nossa trajetória pela vida, costumamos encarar mais diretamente as questões relacionadas a esse centro energético entre os 21 e 28 anos, geralmente quando já entendemos melhor quem somos e começamos a servir com mais propriedade à vida ao nosso redor. Nossos laços afetivos já se encontram mais firmes, porque já entendemos melhor - ao passarmos para a vida adulta - qual o valor de cada relação, o que podemos oferecer e também o que conseguimos receber. Orgânica e naturalmente tendemos a conservar as relações que julgamos que nos fazem bem e as trocas com essas pessoas que se mantêm em nossas vidas se fortalecem. O chakra do coração oferece amor incondicional àqueles que permanecem, mas também é um chakra relacionado à autoproteção.
O amor incondicional é generoso e compreensivo e costuma ser consequência do entendimento que temos na idade relacionada ao Manipura Chakra: aprendemos que temos defeitos e qualidades que têm seu papel, então fica mais fácil, entender que todas as pessoas são assim. Amar as virtudes é fácil, mas aceitar os vícios é processo de aceitação, facilitado pela autoaceitação. Se nos amamos apesar de nossos defeitos, podemos amar as pessoas também como são. Esse amor incondicional pode se estender a todas as pessoas e seres e também nos abre para enfrentar a vida com mais entrega, sem medo. Encarar a vida de peito aberto é se abrir para o entendimento do fluxo dela, que flui como um rio: com secas e enchentes, correndo sobre pedras em alguns momento e em outros sobre areia fina, como uma corrente nascente, mas que as vezes é correnteza que arrasta.
Por ser tão ligado a esse movimento contínuo da vida, apesar de suas flutuações, Anahata é conectado ao coração e aos pulmões, órgãos vitais, que acreditam na importância da vida mesmo que o próprio indivíduo não tenha fé nela ainda. Afinal, corações e pulmões funcionais e saudáveis seguem trabalhando o tempo todo para nos manter com vida, mesmo que não estejamos conscientes disso. Eles também fazem todo o corpo funcionar e tornam possível as nossas ações sem que tenhamos que nos preocupar com a sobrevivência básica. O chakra do coração, representado pela cor verde, se conforta em ambientes naturais, onde o verde predomina, porque nesses lugares o fluxo da vida e a certeza de que ela sempre vence se torna mais evidente. A lição que nos é oferecida nesses lugares é que podemos confiar na vida, mas é sempre bom lembrar que essa entrega de forma incondicional não acontece indiscriminadamente. Afinal, este centro energético também é ligado à autoproteção.
Não apenas temos no peito uma das nossas estruturas mais eficientes de proteção desses órgãos vitais - as costelas - mas temos também o timo. Localizado no fim do esterno, essa glândula ou órgão linfático é responsável por nossa imunidade e é afetada por nossas emoções. O chakra do coração nos ensina a cuidar de nós mesmos por conta própria para seguirmos enxergando a harmonia que existe em todas as coisas. E isso se manifesta no nosso corpo físico. O timo, glândula conectada a ele, diminui ou aumenta conforme nossas emoções (sentimentos negativos o retraem, positivos o expandem) e também é maior nas crianças do que nos adultos. Do mesmo modo como o coração e os pulmões trabalham por nós e para nós de forma autônoma, sem a necessidade do nosso comando consciente, com a maturidade, a nossa glândula produtora da imunidade diminui. O que podemos aprender com isso é que o corpo segue nos amparando minimamente, mas a partir de certo ponto a vida nos propõe que nos cuidemos por conta própria. Também a nossa capacidade de nos entregarmos incondicionalmente ao mundo, como fazem as crianças, diminui justamente porque nos tornamos mais cautelosos conforme nossos aprendizados sobre a vida e as pessoas avançam. O desafio maior para manter o coração aberto é aprender as lições para que sobrevivamos sem deixar de viver para isso. Afinal, a vida é entrega, e sem entrega para as experiências que ela nos oferece, estamos mesmo vivendo?
Não à toa, o órgão do sentido ligado ao Anahata Chakra é a pele, barreira que separa nosso indivíduo do restante das coisas e portal do sentido para que percebamos a vida. Quase todas as experiências da vida são acompanhadas de uma sensação tátil. Afinal, a pele é nosso escudo protetor que sente onde estamos e o que vivemos. Também é a pele que vai dessensibilizar ou sensibilizar nosso chakra cardíaco: Um abraço aperta ou alenta o coração, encaixa nosso peito ao de outra pessoa e estimula o maior órgão do nosso corpo. A sensação de conexão é imediata e este é ao mesmo tempo um gesto de entrega e ao mesmo tempo um ato realizado para que protejamos aqueles que amamos. Mas a pele sente tudo. Não é a toa que usamos a expressão "emoção à flor da pele" quando queremos dizer que sentimos algo intenso. Se não estamos vivendo intensamente, nossa pele permanece intacta. E ela busca sempre algumas marcas e cicatrizes da vida, desde que essas feridas sejam mínimas.
O equilíbrio entre se entregar e se proteger não é o único balanço com o qual o Anahata chakra lida. Este centro energético também é intermediário entre os três primeiros chakras, mais voltados para as questões materiais - mas nunca menores - da vida e os três últimos, que se relacionam com sutilezas da existência. É o coração que faz o intermédio entre o que nosso corpo pede e nossa mente racionaliza. Quando ouvimos a voz do coração, conseguimos harmonizar nossas energias mais instintuais e imediatas e as mais sutis e leves, e podemos deixar nosso amor incondicional fluir pelo mundo, nas formas em que ele puder se manifestar na vida de cada um: cuidando de filhos, aprofundando nosso conhecimento naquilo que escolhemos para servir ao mundo, fazendo essa entrega agora de forma ainda mais aberta.
Aos 28 anos, chegamos também ao último ano antes que nosso Saturno retorne. Astrologicamente, Saturno é um planeta que demora um longo tempo para completar sua jornada pelos céus, e ele só retorna ao mesmo ponto onde estava quando nascemos 29 anos depois do nosso nascimento. Sua volta ao ponto inicial nos dá uma última chance de aprendermos alguma lição que apareceu em nossas vidas repetidas vezes, mas ainda não aprendemos por bem. Iremos aprender, então, de forma menos gentil e apressada, pois Saturno é também o deus do tempo, e Kronos vem para nos mostrar que o que não pudemos aprender na hora certa, muitas vezes está perdido. Por isso, muitas vezes o último ano desse ciclo, em que temos 28 primaveras, costuma ser caótico, mas necessário. Se ainda assim, nem o caos necessário nos ensina, aí sim, pode ser que a chance do aprendizado esteja de fato perdida. Não devemos encarar de forma alarmista, apenas precisamos aprender a lição de que certas coisas têm seu tempo para acontecer. O tempo devora seus filhos, mas essa destruição é cíclica. Às vezes, é por termos perdido o tempo do coração que aprendemos a nos comunicar o quanto antes, a lição que vem com o próximo Chakra. Então, se o amor te oferece essa chance, se entregar incondicionalmente agora é melhor do que ter que morrer para renascer, já que tanto a morte quanto o parto - ainda que simbólicos são ambos processos dolorosos. É importante lembrar que caso ainda assim venhamos a morrer nessa entrega, a vida continua, pois o renascimento está logo ali.
A arte pode ser usada como meio para entrega incondicional do que temos. Mas, às vezes, nosso excesso de autoproteção pode nos impedir.
Encontrar um equilíbrio entre essas forças, depende diretamente do nosso desenvolvimento nos chakras anteriores, pois precisamos saber o nosso próprio valor (a lição do terceiro chakra) a partir também da nossa interação com o outro (a lição do segundo chakra), depois que já estamos essencialmente sustentados na vida (a lição do primeiro chakra). Só encaramos a vida de peito aberto quando podemos chegar a esse ponto. Sempre é tempo para aprender, ainda que em atraso, essas lições, então não precisamos nos preocupar. Inclusive, a confiança no fluxo e no tempo da vida são importantes passos dessa jornada rumo ao equilíbrio entre entregar e proteger.
Artisticamente, é interessante pensar no que podemos oferecer ao mundo com a nossa arte de forma incondicional, sem pedir nada em troca. E levando também em consideração que aquela oferta não nos cause prejuízos. O que nos sobra que podemos dar aos outros em forma de arte? São essas as coisas que vêem verdadeiramente do coração. Caso nos tire um pedaço fazer essa entrega, ela ainda não vem do centro do peito e sim das tripas, que provavelmente estamos fazendo de coração para sobrevivermos.
O que te alegra produzir com a sua arte? Pense no que é fácil fazer para você, independentemente do seu nível de desenvolvimento das habilidades artística, e que ainda assim as pessoas gostem. Pode ser uma tirinha com bonecos de pauzinhos simples, que alguém tenha elogiado alguma vez. Faça algo assim, simples mas que você goste. Se você escreve, por exemplo, versinhos com rimas comuns e repetitivas, mas que te tirem um sorriso. Entregue essa obra ao público com o coração aberto. Não para receber comentários negativos ou se importar com o que irão dizer sobre aquilo. Apenas entregue por entregar e, se possível, exercite também uma não-criação de ansiedade. Se tirou uma foto bonita e postou no instagram, saia das redes e se distraia. Se enviou o texto para alguém, vá para outros afazeres e tente não criar expectativas. Apenas entregue o que você pode oferecer com o coração. Sua arte merece simplesmente existir.
Na jornada do herói, enfrentamos agora a maior das provações, enquanto nossa heroína segue em sua descida rumo ao encontro com a Deusa.
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A jornada da heroína
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A jornada do herói
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Quando o herói sabe suas origens, aprende com os outros sobre seus poderes e descobre seu valor real e seu papel no mundo, ele já sabe um pouco mais sobre o quanto de si consegue entregar aos outros, porque conhece suas qualidades e defeitos com mais clareza. A provação suprema do herói é um ponto de virada em sua jornada, porque neste ponto o personagem já sabe mais de si, e ao reunir todos os seus conhecimentos sobre si e o mundo, é capaz de entregar tudo de si em seu maior desafio. Mesmo sabendo se defender, o desafio às vezes exige sacrifício - como um espelho da própria trajetória do maior herói simbólico da mitologia cristã-ocidental. Muitas vezes, o desafio pede tanto deste herói que a vitória causa sua morte - simbólica ou literal (em algumas narrativas, o herói de fato vai para o outro lado de vida, mesmo que retorne depois). A morte é uma transformação interior irreversível, que faz com que o personagem entenda algo que nem todo o conhecimento adquirido anterior, e toda a jornada foi capaz de ensiná-lo. Mas a morte também é uma demonstração de confiança na vida como um todo, pois agora o herói já sabe que mesmo que ele, como um indivíduo, deixe de existir, a vida continua. Essa entrega para a morte é, na verdade, uma entrega para a vida. E uma mudança tão intensa que pulveriza quem o personagem era antes. Depois deste embate com seu maior desafio, o herói já não é mais o mesmo, se torna outra pessoa.
Quando pensamos nos personagens que vamos criar, é interessante pensarmos qual é o inimigo ou desafio que irá transformá-los de tal forma quando chegarem a esse passo da jornada? Afinal, o que é que exige tanta entrega que o tornará outra pessoa?
Personagens que estejam passando por uma trajetória como a da heroína, finalizam sua descida da ilusão do sucesso em que se encontravam e chegam a um encontro com a Deusa. Depois do auto-conhecimento adquirido com suas provações anteriores, os desafios que fazem com que ela perceba o seu valor de forma conflituosa, a heroína se encontra com alguma figura que a faça compreender tudo de que precisou abrir mão para chegar até ali, para que futuramente possa se reconciliar com sua natureza feminina.
Esse aprendizado condiz com o chakra do coração, já que é aqui que o personagem vai entender o que a voz de seu coração diz. Ou seja, ela terá que ouvir essa divindade (que também pode ser interpretada como uma voz interna ou superior - como o coração) que vem para explicar o que ela deve de fato entregar ao mundo e como se proteger. Esses conselhos são para que a heroína não deixe de lado sua conexão com suas forças femininas outra vez, algo que fez com que tivesse uma vitória ou um sucesso ilusório anteriormente.
Para pensar narrativas ou prosas: Qual o maior aprendizado que os personagens devem adquirir? Qual desafio vai transformar de vez a maneira como aquele personagem enxerga o mundo? Quem pode fazer o protagonista entender-se mais profundamente e o ensina a ouvir a voz do que verdadeiramente faz parte de seu coração?
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