Primeira pessoa: Essa tal liberdade


mão segurando correntes enroladas ao redor dos dedos, demonstrando força


As consequências de nossas escolhas nos encurralam e nos aprisionam. E, além das consequências, as opções que temos à nossa disposição costumam ser limitadas por nossas condições sociais, geográficas, econômicas, de gênero e outras tantas. Sem consciência, nos prendemos completamente nas consequências das nossas escolhas, e acabamos de fato perdendo a nossa verdadeira liberdade: que também deve ter a disciplina de se preocupar com a humanidade, já que nossas decisões também afetam as outras pessoas. Foi Sartre quem disse coisas assim. Mas foi Alexandre Pires quem registrou em sua voz uma das maiores e mais importantes questões filosóficas da cultura ocidental: O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?

Recentemente, tenho tido mais condições de ter certas liberdades que antes não tinha. Então, tenho  encontrado nos meus caminhos trechos onde há uma variedade grande de opções para experimentar mais livremente as possibilidades da vida. E neste processo, venho encontrando respostas práticas para essa grande questão filosófica pagodeira. Tenho feito muitas coisas com a minha liberdade.

Pouco sei sobre ser peripatética - tudo que sei a respeito, aprendi assistindo o seriado Merli. O termo designa um grupo filosófico que tinha como base a ideia de refletir durante as caminhadas. O conceito da grécia antiga persistiu através dos tempos e chegou a diversos filósofos, entre eles Nietzsche e até mesmo nós, que ainda encontramos contemplação nas caminhadas que temos oportunidade de fazer no nosso cotiano. Ainda que tenhamos uma mente atribulada, o caminhar acalma, dá tempo para resolução e mais do que pensar, permite sentir: mudamos o nosso cenário e ganhamos uma nova gama de visões, cheiros, texturas, temperaturas e até sabores para apreciar. Sentir também é parte de pensar. Com os hábitos urbanos dos seres humanos modernos, tem sido mais difícil ter liberdade para experiências sensoriais - ainda que simples como estas. Sentir com menos limitações também é uma libertação.

Vou e volto para o estúdio onde dou aulas de yoga a pé. São quinze minutos de caminhada para ir, quinze para voltar. Estou a 10 minutos do centro ou de alguns outros bairros com comércio mais ativo da cidade. Meus pés têm me conduzido a novos lugares e pensamentos e nenhum caminho é mais obrigatório. Seguir por um lado ou pelo outro tem sido inteiramente de minha responsabilidade. E nessas escolhas conscientes ou não, minha mente tem ficado mais calma. O tempo andando me faz bem pra cabeça, mas também alivia a agitação emocional. Me libertei até de alguns redemoinhos mentais.

Tenho dado pequenos passeios noturnos pelo meu quarteirão. É um lugar bem residencial, tranquilo e onde as luzes das casas estão sempre acesas. Levo Brigite para passear, ou ela é que me leva a passeios onde posso ver vagalumes, ouvir as cigarras e os sapos. Nos passeios, consigo ver as constelações e a lua brilhando pra nós. Quando saio de dia com minha fiel companheira, me deparo com mais animais - o que as vezes gera alguns conflitos entre Brigite e os outros bichos - gatos, lagartos, pássaros diversos e insetos. Às vezes, miquinhos e gambás. O ambiente é urbano, mas ainda há tanto pra se ver nos matos nas margens do asfalto e do concreto. Como as outras criaturas, me sinto cada vez mais livre para circular agora que tenho participado de tantos encontros com o inesperado inofensivo, e vejo que muitos dos medos que antes me aprisionavam se foram embora. Exercer a liberdade tem me deixado mais livre.

Estando sem a obrigação física, prática e material de ver pessoas o tempo todo, me sinto com mais liberdade para ir e vir entre elas, e tenho escolhido ficar com elas. A liberdade prende. Não devo muitas explicações a ninguém, então agora faço o que quero quando quero porque quero. A liberdade disciplina. Tenho me sentido mais flexível também, principalmente na rotina. A liberdade deixa a gente se expandir.

Agora tenho as correntes nas minhas mãos, e às vezes uso elas pra me ancorar. Em outras vezes, elas é quem levantam as âncoras e me deixam navegar mais livre por aí.

Há muito mais coisas para se fazer com essa tal liberdade, mas estou apenas começando meus exercícios.

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