Coisas que ninguém me contou sobre escrever um romance

Não me planejo pra escrever nada e longe de ver isso como um defeito, acho bom. Planejar na escrita me frustra, embora eu adore planejar em muitas outras áreas da vida. Talvez por isso eu não tenha conseguido prever a minha trajetória de escrita de um romance. Eu imaginei que escreveria algo curto e que a escrita seria rápida, mas no momento, são aproximadamente 100 mil palavras tendo que se reorganizar pra ter mais coerência (mais ou menos o tamanho de Jogos Vorazes, que em português tem 102.192 palavras) - e, para meu completo horror, sou EU que preciso fazer esse trabalho de reler, reescrever, corrigir e editar. Vou finalizar este trabalho extenuante no meu tempo, não tenho pressa nem editora. Apesar da decisão, eu ainda me frusto um pouco por todo o tempo que estou levando e mais algumas descobertas do processo de escrever um romance para enviar a uma editora.

Ainda que eu já tenha escrito fanfics muitos maiores e tão complexas quanto um romance para publicação tradicional antes, o romance é muito mais complexo - e eu nem mesmo cheguei à segunda parte da escrita, depois que o texto recebe uma leitura crítica e sugestões de alterações da parte de outra pessoa. Nunca me disseram algumas das coisas que listei aqui - e se as ouvi ou li em algum lugar, não fixei na mente. Então para a futura Anna Carolina que ainda tem mais romances na cabeça, e para todas as pessoas que desejam se aventurar nesse gênero longo, ficam aqui alguns registros de coisas que ninguém me contou sobre escrever um romance - mas que eu gostaria que tivessem me dito.

E antes que você se pergunte porque é que não estou escrevendo o livro e escolhi fazer este texto eu respondo: preciso dessa pausa pra tomar fôlego. E coragem! 

pessoa usando um laptop (apenas as mãos aparecem em posição de digitação sobre as teclas)


1. Nas fanfics, você pode até escrever todo o seu texto antes de publicar, mas consegue ter feedback de leitoras beta e também do próprio público. Ainda que a publicação possa ser feita toda de uma vez, o mais comum é que cada capítulo seja liberado por semana, até mesmo como uma estratégia de engajamento que faz mais gente ter acesso à estória. Acontece que nesse processo de interação com o público, especialmente em plataformas como o Wattpad, onde você pode receber comentários por parágrafo e muita gente comenta as partes mais engraçadas, mais tristes, e até os que menos gostaram, você recebe um feedback. Geralmente os comentários são bem sinceros, e até a falta deles pode ser um indicador de que a sua história não está movendo muito os leitores.

Além disso, outras métricas, como o número de visualizações por capítulos (constantemente, os capítulos marcados ou comentados como favoritos são relidos pelos leitores e a visualização deles é bem mais alta do que a dos outros da sequência). Por mais que eu vá ter leitores beta e que eu possa pedir para que alguém acompanhe o texto desde o começo, a história precisa chegar a um ponto em que pode ser compartilhada com pessoas que podem ler e opinar sobre a trama antes de chegar ao próximo passo do processo editoria. E, até agora, este lugar no espaço-tempo parece nunca chegar quando se trata deste romance. Como tenho costume de receber o feedback e refletir sobre a escrita, alterar capítulos ou tramas, ainda que eu não mexa muito na estrutura do texto por causa dos comentários, esse diálogo tem feito muita falta. Até aqui, a escrita do romance tem sido muito solitária e isso dificulta a tomada de decisões sobre a trama, o estilo, tudo. Além de me sentir só, não tenho o diálogo com quem lê que constrói também o texto. Então a autoria acaba sendo muito minha, quando, na verdade, sinto que sempre foi compartilhada também com o publico.


2. Ok, essa aqui chegaram a me dizer, mas quando já era tarde demais e eu já estava na terceira reescrita do meu livro: Escrever é maratona, requer muito preparo - inclusive físico - e é uma prova longa, de resistência, que toma bastante tempo também. Queria que alguém tivesse me dito que eu precisava reservar mais tempo e me planejar a longo prazo pra essa escrita! E quanto ao preparo físico, daria tudo pra alguém me explicar que eu precisava comprar uma cadeira confortável antes dessa escrita.


3. As tramas tem muitos furos... e é muito difícil fechá-los! Mais uma vez, o processo de fechar a obra antes de mostrá-la a alguém -escolha não tão escolhida assim - e o longo tempo envolvido no texto me faz sempre encontrar algum furo de algo escrito meses atrás. E é por isso que tanta coisa precisa ser reescrita: pra que os fatos da trama se encaixem e façam sentido. Como eu também trabalho paralelamente à escrita para pagar minhas contas, não é fácil fazer o que tenho vontade de fazer: largar tudo por uns meses pra me dedicar totalmente à essa escrita/reescrita/revisão que parecem ser eternas, porque acho que só assim eu poderia lembrar bem de tudo que está acontecendo na trama que eu mesma criei e manter tudo mais coerente durante a revisão - sem esquecer mais pontos no processo. Bem, gente... mais uma vez a culpa é dele: do capitalismo!


4. Talvez seja algo particular do meu processo, talvez em certa medida todo escritore passe pela mesma questão. Os personagens têm vida própria, a trama tem vida própria, as palavras que vão formando o estilo têm vida própria. Só você que escreve é que deixa de ter vida própria: você começa a viver aquela história como se fosse a sua - quando os personagens sofrem, eu sofro junto; quando os personagens estão felizes, eu fico também... E quando, por força maior, não escrevo, veja bem: EU SINTO FALTA DOS PERSONAGENS!

E não é que eu não tenha nenhum controle técnico da trama, da forma ou do que desejo para cada personagem, mas simplesmente, tudo é muito maior do que eu, e sou só uma peça do jogo pra trazer aquela história à vida! Muitas vezes, na verdade, os fatos do romance acontecem através do meu corpo, que vai registrando as sensações dos personagens como se fosse eu, ali, vivendo aquelas cenas.


5. Eu tinha muita dificuldade de terminar tramas longas. Agora não tenho mais! Eu penava pra escolher títulos e subtítulos - agora peno menos. Eu testava muitas primeiras frases, agora a abertura do livro vem mais próximo ao impacto que quero causar, de forma bem mais natural. Parecem pontos bem pessoal, mas na verdade usei a enumeração dessas conquistas como gancho pra falar sobre este tópico: escrever romance é - como quase tudo na vida - um exercício. Com a prática constante, desenvolvi mais habilidades para lidar com aspectos práticos da escrita que antes acabavam se tornando grandes dilemas pra mim.

É claro que cada trama tem seus nós e alguns nós são difíceis de desfazer, mas fora a parte da elaboração - e do quanto de pensamento e/ou pesquisa ela demanda -, minhas dificuldades eram práticas: escolher a primeira frase (isso é muito importante pra mim!), concluir a estória, determinar um título... tudo está muito mas fácil agora. Não perfeito, não totalmente fácil, mas muito menos difícil do que já foi! E, sim, já tinham me dito isso, mas eu nunca imaginei que romances - essas maratonas de escrita de fato fortaleceriam todos os músculos do meu corpo-escritor.

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Por coincidência, assim que terminei de escrever e revisar este texto, me deparei com essa entrevista de Bernardine Evaristo, na qual, em alguns trechos, encontro reclamações parecidas da autora em relação ao romance.

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