SIM

contra a luz do sol alaranjada, uma mão aparentemente feminina segura entre os dedos uma flor de dente de leão, e algumas de suas sementes voam pelo ar


É preciso manusear o sim usando instrumentos delicados. Luvas para não contaminá-lo, dedos leves e gentis para uma retirada manual, pinça e pincel para o artesanato. Sim, a colheita do sim é uma arte manual.

O cultivo e a colheita dependem de muitos fatores. O sim precisa ser estimulado, convidado a sair e - se aceitar entrar na dança - é preciso ter em mente que começa um baile: camponeses pisando com suavidade sobre as uvas, para obter delas o sumo. 

O sim não é extraído, é (re)colhido, como a fruta que vem da flor sem ser parida. Não se sacode pra que caia do pé: o sim se desprende por conta própria do galho e flutua no ar como os guarda-chuvas etéreos dos dentes de leão, que não guardam chuva nem sol. Nós também não deveríamos guardar (m)águas quando o sim não vem.

O sim é uma estação:

só chega no tempo certo, se tiver de chegar.

E o não é não.

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A alguns meses, passei por uma situação inesperada e desagradável de assédio direto e virtual no meu trabalho como professora de yoga. 


Meu ‘não’ não foi entendido como não definitivo e certo. Precisei repetí-lo, reafirmá-lo e os limites entre a relação profissional e pessoal (aliás, o limite do respeito foi cruzado, ninguém tem que passar pelas exigências e cobranças fora do normal que me foram feitas, em nenhum tipo de relação) foram sendo cruzados sem a minha autorização, e na expectativa que esse abuso - inclusive relacionado a desigualdade de posição econômica/de trabalho - fosse acabar me levando a um sim.


Eu soube distinguir o assédio de outras tantas coisas que poderiam ter me confundido, e contei com total apoio de quem me cerca. Mas foi difícil dizer um não ainda mais duro e limitador porque eu também compreendia que a minha assediadora poderia passar por questões complicadas por ser quem era. Mas isso já era algo que ela teria que lidar e não me interessa muito como ela lidou com as medidas que precisei tomar. O limite precisava ser imposto porque estava me prejudicando de muitas formas.


Eu me pergunto como alguém pode pensar que o sim viria daquele modo. Mesmo se eu parasse de dizer não, ele ainda não seria um sim. E nada dá aos outros o direito de deduzir que qualquer outra palavra signifique sim. Só o sim é o sim, e precisa ser consentido e entusiasmado.


Não é uma frase completa. Não é não. E o sim só vem nas condições que consegui colocar nesse texto.

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A poeira baixou e estou bem. Mas acredito que compartilhar algo que veio da minha vivência ajude a fortalecer a ideia de que o nosso sim precisa ser dito e respeitado.

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