De mudança
Fui aos poucos.
Estou há anos de mudança. Uma mudança longa e lenta, que ainda vai continuar. Talvez, eu seja caramujo carregando a casa nas costas, me arrastando devagar porque o peso é grande para meu corpo mole. Deixo rastros pela terra e sigo carregando meu abrigo, meu fardo, minha história, onde quer que eu vá.
Quando precisei escolher entre mudar e ficar, escolhi ficar, sem saber exatamente o que é que me prendia no chão que me pariu, já que eu tinha certeza que existiam terras prometidas onde eu poderia pisar e dos meus pés não nasceriam raízes que prendem, mas flores que frutificam. Pensei que era árvore - e talvez eu seja - mas até as árvores se movem sob o solo, se contorcem terra acima e se sacodem com o vento.
Entendo porque demorei a me mudar, e porque ainda estou de mudança. É porque sou, não só o caracol mas também a planta onde ele sobe. Me reconhecer e entender que não tenho pés mas sim raízes é o que me faz saber me mover. Mas é tão difícil se entender. Talvez o tronco cascudo da árvore não reconheça também a semente de onde veio, embora saiba que é dali que brotou. Talvez o tronco também não saiba que o fruto é parte sua ou que dentes morderão a carne suculenta. Nunca sabemos bem de onde viemos e para onde vamos. Em alguns momentos, só vemos o aqui e o agora, só sabemos que temos um tronco que liga os galhos às raízes. Demorei para olhar atentamente, saber que tudo aquilo é uma coisa só e me mover como eu podia.
Enfim, me vi árvore por completo: semente, raiz, caule, galho, folha, flor, fruto. E semente, outra vez. E ainda assim, continuo sendo caramujo também. Um pé no passado, outro no futuro, o corpo inteiro no meio, aqui e lá, ontem e hoje e ao mesmo tempo em todo lugar. E o tempo todo, de mudança.
Carrego caixas, desmonto e monto móveis. Transporto, chego, me assento. Estou de mudança. Vim aos poucos. Um passo de cada vez, e cheguei longe: em uma outra casa, em um outro tempo, em um outro eu.
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