Preto, branco e blue
A linguística é uma das áreas mais maravilhosas que descobri cursando a universidade de letras. No entanto, é também aquela com que menos tive contato acadêmico, e da qual menos me recordo tecnicamente. Por isso a imprecisão que vem a seguir.
Uma vez, lembro de ter me deparado com um estudo linguístico que monitorou o vocabulário de posts de várias pessoas nas redes sociais. Os dados coletados foram analisados com a ajuda de inteligências artificiais, e uma das conclusões de que me recordo é que o léxico escolhido quase inconscientemente das pessoas indica os primeiros sinais que levarão a futuras crises depressivas. A tese era sobre depressão - e aqui, para fins textuais, podemos ler depressão como um momento de baixa moral, não a doença diagnosticada, a qual não tenho oficialmente. Afinal, o texto aqui é meu e eu nem sequer me lembro quem foi que escreveu o tal estudo, que também englobava gramática visual. Segundo minha memória, quem costumava apresentar fases depressivas tinha o hábito ou a tendência de usar fotos em preto e branco. Sem os artigos para referenciar e tão afastada dos estudos linguísticos que sequer consigo encontrar em pesquisas no google a tal tese, usemos como referência a memória que tenho desse conhecimento. Eu não estou aqui pra ser levada a sério, estas palavras são só uma expressão do que venho sentindo. Também não sei se os estudos avançaram e se foram refutadas ou aprofundadas essas teorias indicadas pelas análises.
Também não quero falar sobre a ciência em si, porque eu nem teria condições intelectuais pra discutir este tópico. O assunto é pessoal, sobre observações que fiz pessoalmente a partir dessa leitura que me fez, posteriormente, uma pessoa atenta às minhas escolhas nas redes sociais.
* Quando me sentia mal, me via em preto e branco. As cores, esvaídas dos olhos, só enxergavam no espelho o monotema das emoções: tristeza. Em inglês, a tristeza é azul. Blue. O blues é um ritmo triste. Os sons se tornavam todos blues. O bom gosto já não saboreava a língua e todos os toques passam a ser duros e secos, desconfortáveis. Todos os dias, inodoros e indistinguíveis.
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Percebo desânimo e cansaço registrado nas minhas piores fases, mais do que a tristeza em si. Os textos nas redes sociais são a palavra que quero dar ao mundo em meu nome. E quando estou triste, é sobre isso que quero falar, porque é assim a minha relação com essa forma de sociabilidade. A tristeza tem uma face cambiante e até mesmo sua tez gramatical pode ser menos óbvia do que se pensa. Quase nunca me pensam triste a partir do que escrevo; me pensam saudosa, melancólica, reflexiva, profunda. Nem todo mundo tem habilidade de reconhecer a criatura por trás do rosto em constante transformação. Mas talvez possa-se saber que o animal tristeza tem, ao menos, cores características. O preto e branco é outro registro depressivo de uma pessoa que não consegue se ver em cores, por mais que as ame quando a alegria se olha no espelho.
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As cores básicas da depressão são o preto, o branco e o azul. Não se vê outras, não se refletem outras, todo um círculo de cores, em tantos tons, passam a ser inexistentes. O vocabulário reduzido se delimita em um corpus óbvio e perceptível para quem conhece os sinais. Quem sabe de si e do mundo, re-conhece a melancolia dos outros, porque já foi apresentada a ela dentro do próprio corpo, dentro da própria mente.
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Consigo perceber na hora o que essas escolhas me indicam sobre mim mesma. E sei também que elas têm a ver com um desejo de atenção do outro. Meus estados mais depressivos parecem sempre ter a ver com alguém "deixar de olhar pra mim", especialmente no campo romântico. A exposição é a expressão óbvia de um desejo de que olhem para mim.
Ainda assim, nem sempre me expor tem a ver com essa melancolia. Às vezes o desejo de ser vista é mais para mostrar o que tenho a compartilhar; uma socialização daquilo que explode meu peito; é só vontade de me expandir em euforia. Neste outro desejo de ser vista, que é também vontade de me expandir, não há desespero, só plenitude.
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O desânimo e o cansaço são notáveis a quem olha com atenção. O léxico do corpo e da mente passa a ser este, de fadiga, e como um pedido de socorro, a recusa passa a ser gritante. "Não! Eu não quero!". Meus pontos baixos são a ausência de querer, de vontade, de desejo. Ausência de Eros. Faltam sobre o corpo os hormonais olhos do anjo que atira flechas. A tristeza é uma saudade da atenção da vida, saudade que não se pode matar. E a vida chega com a morte disparada por arcos sem alvos: É nas pontas das setas envenenadas que se espalha e se espelham as cores. O toque de Eros trás as cores das penas no pavão e nos torna animais que não se pode deixar de ver: animais vivos, que buscam o desejo de seguir vivendo, desejo a desejo.
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Acho que as cores só existem quando há um outro, quando os pretos, brancos, cinzas e azuis que tenho a oferecer se encostam em outros tons de algo ou alguém que não sou eu. Os pavões só abrem sua cauda e mostram suas penas para seduzir. Quando tenho a força de me tornar desejo de outros, aí, ganho uma aquarela inteira.
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